Nada funciona como deveria. Outro dia estive pensando em algo curioso, um pensamento leviano desses que normalmente se deixa passar, mas que o ego escritor insiste em prender na teia de percepções fúteis. Pensei justamente nisso, nas coisas que deixam de funcionar, o que estaria quebrado? Seria o caso da minha cama.
E aí vejo pelo lado do mal funcionamento e o consequente desapontamento no não cumprimento de funções esperadas. Não sou óbvio à ponto de conceber tão unicamente a integridade física do objeto, mesmo algo de uso tão superficial como uma cama. Tudo menos me render às sensações e percepções comuns!
A cama está inteira, mas não se presta ao que prestou todos esses anos. É o mesmo beliche de madeira que embalou meu sono desde a infância quando o tamanho do quarto tornou a alternativa mais apropriada no uso do espaço. Eu, meu irmão e o beliche que agora está quebrado - muitas histórias, ainda mais para quem vive por seus sonhos.
Há tempos que histórias novas não são contadas. O travesseiro desregulado não suporta o peso de meus pensamentos, tenho de me livrar das angústias antes de me deitar, se penso no dia que passou é inevitável concluir que ainda há muito para ser feito.
O colchão é fraco, sofreu desgastes, não apara mais as quedas de minha alma decadente. O vento da madrugada, os calafrios por fantasmas e demônios que alteram a calma e instigam o medo, passam facilmente através das cobertars.
Falta aquela qualidade mística do sonho, a possibilidade de crer no impossível. Parece que meu momento mais cínico é quando acordo, deveria ser ao contrário pela proximidade com a terra dos sonhos. O primeiro pensamento ao acordar é voltar a dormir, só me levanto traindo a mim mesmo por matar essa única, mas genuina, vontade.
Sei que no decorrer do dia pedirei aos céus e a mim mesmo por coisas absurdas e fúteis que se tornaram impossíveis pela fraqueza que carrego desde aquela primeira desistência. Mentalidade de cristão, acabei criando mais um pecado original, vou pagando penitência pelo primeiro pecado: acordar para um mundo que não me pertence.
Lembro de quando os sonhos ainda funcionavam, na minha e em outras camas. Na época do divórcio de meus pais, ainda me acostumava a dormir fora de casa com frequência. Era sempre uma surpresa ao abrir os olhos sem saber onde eu estava, só saberia até que estivesse totalmente desperto: o sonho me afastava o suficiente para esquecer.
Isso é felicidade, se soltar de si! Só revivi essa sensação em algum momento do ano passado. Acordei totalmente perdido contemplando um existência pura. Precisei de pelo menos dez minutos não só para saber aonde eu estava, mas quem eu era. Estive distante o suficiente para me esquecer de tudo, exceto de que não-saber era o que me bastava.
Tenho de reconhecer, no entanto, que se o leito falha comigo isso se deve em parte por meu problema não ser cansaço. Se mato o desejo todas as manhãs, ainda que seja o de voltar a dormir, é porque ainda transborda energia de minha alma jovem.
O que mata é a frustração já que mesmo me poupando do fracasso sei das lamentações vindouras por nem sequer ter tentado (quando é claro que já fiz o que podia e devia). Por isso o sacrifício, devo assassinar o espírito para que a frustração não me leve antes. Só morto, ou experimentando a sensação de morte, é que estarei livre.
E quantas vezes não me vejo do alto prestes a me jogar? Parece que sempre há o que me segure, um fio invisível que me prende ao meu posto de observação e crítica que um dia tratei por vida. Alguns poderiam chamar o que impede a minha queda de bom senso ou juízo, eu chamo de inferno. Não há mais o que se fazer, a vida já pediu falência.
1 comentários:
Já tentou dormir no chão? É terrivel, e mais ainda nesse frio,mas o corpo muda, a postura muda, é um dormir consciente . Os monges tibetanos falam isso, que somos fracos porque tomamos banho de agua quente e dormimos em camas moles . Isso enfraquece o caracter. Eu acho que eles tem razao,mas depois de anos dormindo no molinho,e tomando banho no quentinho, meu caracter ja era, ja amoleceu e não dá sinais de vida. Então é isso! bj
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