Música

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8 de maio de 2012

Das Formas de Amor e Amar

O quarto estava uma bagunça, as roupas espalhadas pelo chão em uma trilha que ia dos casacos perto da porta passando perto da janela junto à escrivaninha onde um cachecol enxadrezado estava pendurado na cadeira e depois partia para a cama de casal rodeada por outras tantas peças. Timidamente a luz da rua entrava no quarto através das cortinas finas. A janela, estranhamente alta e pequena e no segundo andar do sobrado no quarto principal, escondia o casal aconchegado de quem passasse na rua sem lhes atrapalhar a vista da lua por entre os edifícios ao longe.

- Aí está o maldito coelho - murmurou Alfredo baixinho evitando de acordar Alana que serenamente descansava sobre seu peito. Ele, meio sentado olhando as estrelas, escorregou para debaixo das cobertas, fechou os olhos e quando tornou a abri-los no que pareceu um segundo já os tinha perfurados pela manhã ensolarada.

- Você precisa de cortinas novas, assim não... - tentou indignar-se o moço interrompido por um beijo de geleia de amora. Alana já consumira o dejejum e estava de pé ao lado da cama, sua língua estava gelada e Alfredo se divertia com a charada de qual bebida teria se servido - algo cítrico, talvez; o mal humor havia passado.

- Gosto assim, melhor do que esse seu despertador barulhento - a mulher apontava para o celular que dançava na mesa com alarme intitulado "Feliz desemprego".

- Preciso ir! - bradou Alfredo saindo em um pulo da cama. Vestiu uma meia, a camisa social amarrotada e só depois a cueca. Alana não sabia se ria ou perguntava o que havia de errado cinicamente, pois muito bem sabia qual era a questão: não ia ficar vigiando horário de marmanjo. Limitou-se somente a olhar perplexa, era realmente um espetáculo tragi-cômico ver todo aquele desespero de se recompor atravessando o quarto, desespero inverso o da noite anterior de se livrar de tudo com motivo muito mais diverso...

Tamanha pressa se justificava por ser "Feliz desemprego" o último de seus quatro alarmes postos na sequência, sendo o primeiro "Bom dia!", o segundo "Acorda, porra!" e o terceiro "Última chance". Nunca havia necessitado do quarto e costumava ouvi-lo já quase chegando ao trabalho, pois sabia que mesmo o terceiro era garantia quase certa de atraso.

Já estava pronto alguns minutos depois, dentro do carro com uma pastilha na boca, a chave no contato e uma gravata sem nó envolta no pescoço - fica para um sinal vermelho - pensou. Porém, Alfredo, com todas as coisas no mundo na cabeça por dizer e fazer quando chegasse ao serviço lentamente passou em frente ao sobrado que acabara de deixar, estando seu carro estacionado um pouco adiante na rua, e viu aquele par de olhos sobre os quais repousaram tantas vezes os seus por detrás da grade trancando a porta que deixara displicentemente escancarada em sua fuga.

- Esqueceu alguma coisa, Frédinho? - saíram estas singelas palavras daqueles lábios com sabor de amor(a); ficou fora de si.

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Chegou ao trabalho na hora do almoço, matou mais um tio pro chefe e nem pra si mesmo assumia totalmente os motivos de seu atraso culpando antes as voltas que deu no bairro estranho e confuso do sobradinho pra achar a via expressa do que sua demora em sair e muito menos os motivos da demora. Perdeu a hora por preguiça, desleixo? Estava apaixonado! Agora bem o sabia, a lua lhe dissera e suas meias vestidas ao avesso confirmavam. Mas fosse como fosse, tinha de trabalhar.

O publicitário corria entre reuniões, auxiliava colegas em apresentações nas contas de desodorante masculino e passou por uma brainstorm de uma cerveja que ia ser lançada no mercado em breve. Logo se via a força que movia a agência: as fantasias masculinas. A orientação acertada com o fabricante, nesse caso, era ressaltar o caráter da novidade... mas só se viam e ouviam velhos vícios (re)encarnados por gente nova.

- E daí vem uma gostosa e diz qualquer coisa - cinquenta por cento das ideias de Eric, o mais proeminente de seus colegas, começavam assim. Os outros cinquenta?

- E daí vem uma gostosa - e não diz nada é justo aqui inferir na sequência, mas nem precisava dizê-lo, pois já era bem conhecido na agência... não que sustentasse uma pensamento muito complexo para necessitar alguma reflexão em predizê-lo, mas o convívio ajuda nessas coisas.

O rapaz de barba mal feita que ainda sentia o gosto de amora na boca quis, sinceramente, ser como seus colegas, seja aquele que vinha sendo "O cara das ideias" ou os outros que só acenavam a cabeça. Parecia, no fundo, uma questão de se enunciar primeiro, ter carisma, pois todos compartilhavam da resposta muito antes da pergunta ser feita.

Na verdade, Alfredo nem era tão rapaz assim, já era casado... o que não o impediu de adentrar em uma paixão adolescente. Eric, que era um pouco mais novo (o garoto prodígio da agência) tinha uma noiva estonteante e enchia a boca pra falar das "gostosas" que ele podia "checar" nos testes de elenco para comerciais de TV e anúncios de revista. Mesmo assim, essa aparente explosão de libido não provocava um fio de cabelo fora do lugar daquele imponente manequim de gravata de seda e terno de linho italianos. Com esse pensamento, Alfredo então lembrava constrangido no meio do discurso do colega de sua gravata ainda sem nó e de todos os olhares tortos que recebera ao longo do dia.

Não estranhe, oh leitor, tal espelhamento em uma figura que, geralmente (e ainda mais por uma criatura romântica), não mereceria qualquer admiração. Acontece que o pequeno Fred ouvira constantemente em sua infância que não se deixasse atrapalhar por nenhum rabo de saia, valia tudo desde de que tivesse foco em seus objetivos profissionais. Conselho que, com todo o seu teor de potencial misoginia, surpreendentemente encontrava mais ecos em sua mãe do que no pai que só acenava a cabeça contendo o riso pensando nos tempos em que também sua senhora era um "rabo de saia".

- Sim, querida, claro, querida... E, Fred, toma cuidado com os bailinhos! - a dona de casa ficou vermelha, quis sumir já pensando na vez em que foi arrebatada por aquele que se tornara seu último e definitivo parceiro de dança, nesta lembrança de infância que reanimo das raras vezes em que o pai do então menino intervira verbalmente. Alfredo rememorava conosco, mas só extraía da cena o conselho da mãe e o constrangimento de ter tido de ouvir a palavra bailinho - coisa de velho!

Cresceu em torno da sabedoria de sua mãe e podia se dizer que era bem sucedido, mas ainda com um caminho a percorrer, necessitando, portanto, de atenção. Já era tomado de uma idade que supunha maturidade sem perder o vigor e, mais importante aqui conforme dito, era casado. Sua paixão não tinha razão de ser. Conversou com Eric em algumas ocasiões e este lhe confessara (não que fizesse segredo, praticamente se gabava) certas "aventuras", mas sempre pra matar o Tédio, preencher um vazio ou necessidade imediata. O sentimento que possuía Alfredo era diferente, consumia tudo, não só ocupava o espaço que lhe era designado, tomava conta mesmo! Tirava as coisas do lugar e tinha tudo para ser considerado um amor errado.

Reminiscências do tempo de escritor, pois que o publicitário gostava muito da escrita e, tendo de escolher uma profissão que tivesse o sucesso refletido em ganho financeiro, sua vocação e sua criação o colocavam entre PP e Jornalismo. No entanto, de um momento puro, entre a descoberta do dom e o direcionamento e "bom uso" dele, houveram experimentações e uma delas resultou em um texto intitulado Das Formas de Amor e Amar. Nele, pretensiosamente se resolviam todos os problemas de falsas expectativas diante de relacionamentos amorosos os dividindo em três categorias preparando o amante para seus possíveis resultados.

Tendo os introduzido nessa desnecessária incursão ao passado e interrompendo o fluxo da história irreversivelmente acho que o mínimo que posso fazer é lhes ofertar esclarecimentos de quais seriam tais amores: os perfeitos; os reais; e os errados. Segundo Alfredo, os perfeitos são os platônicos, os mais infantis e, ao mesmo tempo, indeléveis. Se referem pouco à experiência concreta e, a dispensando, podem durar nas fantasias animadas por um desejo nunca concretizado. Os reais são os mais adultos e sérios, se calcam na experiência cotidiana, são tão sentidos quanto construídos e parecem carecer de paixão, embora sempre hajam momentos e momentos. Por fim, restam os errados que não se apagam com o desejo saciado, não se justificam na experiência e parecem ir contra a moral de seus portadores. É danoso, mas ainda amor (essencialmente bom, portanto) e vence toda a provação a que se sujeita. Em uma análise rasa, os primeiros são os mais fáceis; os segundos, mais maduros; e os terceiros, mais fortes. O texto ainda descreve o fim dos amores: da fantasia que desmancha na experiência; da excessiva realidade que vira rotina; e do desgaste e ruína que trazem os conflitos sucessivos e ressalva que todo amor contem em si a idealização, algo de concreto em que se basear e uma paixão-motriz em seu cerne: qualquer um pode ser os três

De volta à história...

O dedicado funcionário agora fazia uma pausa construtiva, podemos vê-lo a segurar um pequeno copo de café que esfria em sua mão enquanto seu olhar atravessa os cubículos, divisórias, paredes, edifícios! Tudo para chegar à amada amante, desejada e desejante Alana. Ter um horário para se perder com mais vigor em seus delírios (fingindo que não o fazia em outros momentos) dava-lhe uma ilusão de controle. Alfredo gozando dessa enorme posse e ciência de si, bebeu o amargo, não adoçado e já morno café em um único gole e voltou à sua estação de trabalho para retomar suas tarefas.

O expediente, meio-expediente graças a seu atraso, se arrastou com dificuldade, mesmo contando com apenas pouco mais de uma hora de acréscimo (a do almoço, que obviamente teve de deixar de usufruir), mas foi por fim cumprido. Alfredo já moderava seu temperamento apaixonado com a rotina e, vencendo o trânsito comendo o fast-food que pegou no drive-thru, já se programava para ver qualquer coisa na TV quando regressasse ao lar, beijar a esposa e dormir. 

Duas horas depois, chegava em casa exausto (ou apenas de saco cheio) e encostou o carro um pouco mais adiante na rua já que o portão automático da garagem estava com alguma frescura que nem manualmente abria. Mesmo a meia-dúzia de passos a mais que teria de dar por isso lhe pareciam um martírio. Já era noite e a campainha soava: esquecera a chave. Apaixonado, pegou-se mirando a lua, vendo um coelho sem saber se sugestionado ou se era pela superstição se concretizar. Estava de costas para o portão e lentamente se virou orientado pelo barulho de passos que se aproximavam; o coração batia mais forte. O portão então se abriu revelando aquele tão familiar par de olhos que pareciam ter assumido um brilho novo nos últimos tempos, pouco depois de se mudarem para aquele bairro afastado que ainda o fazia se perder quando tentava intuir atalhos. Escondiam-se por debaixo de uma juba de cabelos acastanhados adornando um sorriso que se abria.

- Bem vindo de volta - disse docemente com uma voz rouca de sono, Alana. Estava claro, não tinha jeito, uma tragédia, sem dúvida! Estava apaixonado pela própria esposa.