Música

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9 de dezembro de 2013

O Quadro

Há um imperativo para a escrita de um escritor, ao menos desse escritor, que é a inspiração. Desculpe o salto, se o pego desprevenido por disparar a sentença falando-lhe assim tão diretamente sem o disfarce da história, do enredo, que tão prontamente nos envolveu em capítulos anteriores de nossa relação, mas o tempo urge e as musas dormem, tendo eu de escrever sem história, sem ideia, somente eu e você, caro leitor, confinados no aconchego de meus parágrafos.

Antes que fuja diante do temor da intimidade, o que eu entenderia  (como entenderia!), ou mesmo pelo receio de eu não ter nada além a oferecer do que um malabarismo sintático-gramático sem sentido e sem alma, peço calma, pois existem recursos para quebrar o gelo e o silêncio nos permitindo assim continuar a nossa dança. Sim, venha comigo, sem medo! É muito simples, na verdade:

Na falta de inspiração, eu a invento... como o amor. Um escritor não escreve suspirando, não se apaixona e corre às letras, não, não neste século! Ele tecla em transe catatônico, meus caros amigos... ao menos esse escritor, devo frisar novamente; desmistificando essa versão romântica confesso então que escrevo muitas vezes para apartar-me do tédio e de mim. Se meus escritos refletissem verdadeiramente meu estado de espírito seriam, na maior parte, longos e intermináveis bocejos transcritos.

Não digo com isso que eu não seja capaz de conservar amor ou que não tenha cândidas lembranças do sentimento, ele está lá e meus textos muitas vezes são exercícios de prospecção... pois não raro ele se esconde bem fundo na alma e parasitar suas raízes. Enfim, falar de amor é complicado, trabalhoso... e por isso falar de amar amando em estado apaixonado e crítico é uma perda de tempo! Quando suspiro por minha musa prefiro antes beijá-la do que escrever, a prosa vem na hora do bocejo.

Fingir inspiração como finjo amor, essa é a chave, fingir ideias que deveras me ocorrem, bem lá no fundo. Como? Lembro-me de um certo quadro que vi em uma feira de artesanato. Benedito Calixto? Embu das Artes? Wikipedia? Não tenho certeza, mas se me veio a mente agora (fechei os olhos um instante pescando as ideias que passavam) acho que posso chamar a vista de inspiradora. Um belo quadro.

Traços leves e sobrepostos de tons muito próximos, traços impressionistas? Possível dizer, ainda que com todo o receio de um leigo a ponto de falar besteiras. Era um quadro pequeno, maior que um espelhinho de banheiro, menor que uma janela. A metade esquerda do quadro é ocupado pela metade direita de um rosto feminino. O restante é ocupado por um fundo verde esfumaçado e uma mão que desce de encontro ao que parece ser o ombro da figura feminina. O braço que empunha a mão veste-se de azul até os punhos. O rosto da mulher ora parece aflito, ora aliviado sob o peso da mão estranha, os traços do quadro não me permitem decidir entre a tensão ou distensão de seus nervos. Eis o quadro.

Agora, que tal uma história para ele?

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O mundo visto de cima


Os transeuntes de um certo subúrbio altamente arborizado e bem cuidado habitado pela casse média-alta da cidade tinham um ponto obrigatório no sightseeing  de suas rotinas. Uma grande casa ou pequena mansão construída na encosta do morro que ladeava a avenida. Encoberta parcialmente por árvores de um verde vivo possuía três ou quatro níveis sendo o último deles, o mais alto, com seus cômodos perpassados por vitrais pelos quais era possível espiar seus habitantes quando a luminosidade interna e a transparência do cortinado permitia. Seu único acesso aparente era a garagem, um grande portão que se abria e fechava as 7h10 todas as manhãs de segunda a sexta, sendo incerto o horário, pelo noite, em que tornaria a se abrir. "É preciso trabalhar muito para se manter uma casa daquelas" - se comentava. Excetuando esses momentos, o número 713 da Avenida Almeida Lima era um mundo fechado.


O imponente edifício salvaguardava o segredo de seus habitantes e, sobre estes, só se sabia que eram um casal, um casal jovem que não devia ter nem trinta anos. Um proeminente advogado? Um juiz precoce? Um médico? Um herdeiro filhinho de papai? Propagavam-se palpites sobre a ocupação do moço, geralmente no silêncio das mentes daqueles que passavam, pois não era de bom tom proferir incertezas para serem dadas como fofocas por seus pares. A solução? Tornar a incerteza certa e daí já não seria infâmia, mas o bom senso verbalizado. Sem discussão, o palpite se tornou uma probabilidade indiscutível, inevitável. Com certeza era magistrado ou até deputado, seu rosto era familiar... e quanto a moça? Os passantes não pareciam se ocupar de pensar, era a mulher dele e apenas isso, um apêndice, um bibelô.

Era uma tarde de outono quando o bibelô encarava o fim de tarde através dos vitrais que prometera o empreiteiro quando da construção da casa que garantiria-lhe a privacidade por um truque de luzes, podendo ela ver sem ser vista como por trás de um espelho falso. Porém, conforme nós sabemos, sob certas circunstâncias o anonimato era rompido. E eram tais as circunstâncias, talvez o sol brilhasse diferente naquela estação, talvez a árvore desfolhada revelasse mais do que o costume... ou talvez, mais simplesmente, o empreiteiro tivesse vendido um vitral mal revestido.

A mulher do dono da casa, chamemo-na de Elise (ainda que este não seja seu nome), era dotada de mais profundidades do que seus expectadores supunham e sentia os olhares pungindo-lhe a alma. Com certeza a avistavam naquele dia, era perceptível a hesitação dos passos quando a notavam a encarar o mundo lá de cima por trás da janela, sentia que eles sentiam seus olhos e retribuíam o olhar, mas... será que eles realmente a enxergavam? Elise, que não se chamava Elise afinal, podia produzir uma imagem tão falsa e fictícia aos curiosos como o nome que arbitrariamente lhe atribuímos aqui.

"Nem tudo é o que parece ser" -  essa máxima figurava com frequência nas recentes indagações de Elise a respeito da vida, das pessoas e, principalmente, de seu casamento. Já tinham meses que o comportamento do marido andava errático, impassível... e violento. A relação de dois anos do casal parecia um sonho distante, uma ilusão que se desconfigurava criando quimeras a distanciando mais e mais da compreensão de sua própria realidade. Ora, não fazia sentido algum, mas depois... era profundamente lógico, impossível de se não enxergar os sinais. Uma conclusão suspeita, pois é muito fácil fazer previsões daquilo que já aconteceu.

Começou com um empurrão, um acidente, ela pensou. Na ocasião, discutiam por qualquer coisa em relação as despesas com as reformas da casa e ele a empurrou em direção a parede. Alguns centímetros apenas, entre homens o incidente nem seria notado. Ela chorou, naquela noite, ao lado dele. Ele não se desculpou. O episódio, por si só, não diz muita coisa. Sinais sem um contexto não significam nada e a contradição entre o romantismo do noivo e a rudeza do marido poderia ser um fortuito destempero, um acidente, dentro de uma relação duradoura e valorosa. Mas, logo se viu, era muito mais regra do que exceção.

Sempre que discordava do marido, Elise sentia o olhar do conjugue a apertar-lhe o peito como se a ameaçasse, ou lembrasse, da consequência possível de se opor a sua palavra. Não demorou muito, já não era seu olhar que a comprimia, mas suas mãos que, vez ou outra em um tom que simulava brincadeira, apertavam sua garganta e a sacudiam enquanto dizia "mas você, hein!!" quando sentia que perdia uma discussão. Elise tossia, deixava claro seu desagrado, mas seus protestos só surtiram efeito quando mostrou a ele as marcas que deixara. Assustado com a evidência ele pediu desculpas pela primeira vez. No dia seguinte, presenteou-lhe com cachecóis do mais fino trato - um aparente trato de paz.

Neste ínterim, as agressões, vistas separadamente e digeridas uma a uma, pareciam a ela suportáveis e mesmo que rotineiras uma espécie de anormalidade que logo seria sanada. Não se sentia de nenhuma maneira passiva e muito menos se vitimizava, casara-se com aquele homem por vontade própria, era dona de seu destino, e agora cabia a ela aceitá-lo na saúde e.. na doença.

E o homem estava doente, era isso que dizia a si mesma, pois na maioria das vezes em que a agredia ou, antes, "errava na medida de sua força" - preferia enxergar assim - era quando estava sob efeito da bebida. Viciou-se em uísque para provar a si mesmo e aos outros que sabia apreciar (e bem!) as coisas boas e refinadas. Seus excessos eram portanto públicos, aplaudidos e compartilhados por seus pares e invejados por seus superiores que suspiravam nostálgicos "ah, no meu tempo eu também era impossível!"

O que a machucava era esse na maioria das vezes, a sobriedade não impedia seu descontrole. Não era doença, portanto, mas custava a crer que pudesse ser outra coisa, ainda naquele tempo não entendia.

Até que começaram os socos.

Sem dizer nada, isso uma ou duas semanas após a trégua dos cachecóis, desferiu-lhe um murro na boca do estômago quando Elise passava por ele no corredor. A jovem se contorceu de dor, curvando-se e descendo ao chão deslizando rente a parede procurando ar desesperadamente. O agressor, impedindo o movimento, a ergueu pelos ombros forçando seu corpo a ficar ereto e esperou até que ela conseguisse abrir os olhos que lacrimejavam incrédulos, a mediu de cima a baixo, deu um tapinha em seu rosto e disse:

- Viu? Está tudo bem!

Desde esse dia, as agressões se tornaram mais frequentes e sem motivo, cresciam junto do contentamento do marido, e Elise não demorou a entender o porquê: elas não deixavam marcas aparentes. As evidências não transpareciam de sua intimidade, a vida seguia incólume e todos tratavam a ela e seu marido com deferência, como casal respeitável e modelar. A antítese de agressor e agredida não cabia e se seu corpo com todas as suas marcas ocultuas contrariava a versão do mundo sobre eles, e mesmo a versão que tinham suas memórias sobre aquele homem tenro e amoroso, então seu corpo e sua mente é que mentiam e sua alma deveria gritar suas dores em silêncio. E assim sendo, absurdo demais para ser verdade, ainda que se sentisse vítima, diante do absurdo de sua situação o que prevaleceu, sem sentimento de culpa ou de revolta, foi uma tristeza profunda na melancolia da mudez e da imobilidade.

Entre essa Elise que assistimos evoluir em acontecimentos de suas memórias e a Elise que mira os passantes querendo desesperadamente ser vista, entre a Elisa ciente de seu cativeiro e aquela que percebe o carcereiro a diferença é sutil - uma noite, uma noite que mudou tudo.

Ela dormia só em sua cama. Ele chegou na alta madrugada, como tantas outras vezes. Ela acordou com o barulho, virou pro lado e voltou a dormir. Ele se despiu, deitou e começou a lhe afagar. Ela o repeliu: em vão

As memórias dessa noite configuravam-se ao mesmo tempo confusas e exatas, eram obtusas, mas certeiras. Aquilo era o que era, havia sido estuprada pelo próprio marido. Não havia outro modo de descrever como ele arrancou suas cobertas e pesou seu corpo contra o dela, não havia outra maneira de classificar a invasão de seu corpo, a relação não consentida, pois ela não disse não, mas ele achou que sua mulher dormia, que consentimento pode oferecer uma pessoa inconsciente? Aliás, seria essa a questão? Será que o marido agia como agia por sua passividade, por achar ela assim tão inconsciente de sua própria condição?

A violência de seu corpo a fez assistir a tudo de cima, como se pairasse sobre si mesma para suportar a mágoa. E se essa perspectiva por um lado desconfigurou suas memórias, por outro lhe deu uma visão ampliada de sua situação, um duro entendimento. Quando tudo acabou e pode voltar, ainda que essa volta nunca tenha sido completa e uma parte sua tenha se perdido para sempre, secou as lágrimas de seu rosto que a concha oca vertera em sua ausência e desertificou o coração com um ódio sulfuroso por seu agressor e por sua ignorância. Ela não dormiu naquela noite e jurou nunca mais verter uma lágrima e assim o fez.

E era essa a Elise que, sentada em sua poltrona meditando sobre sua condição, mirava o entardecer de outono sem novidade e indiferente ao seu sofrimento que tomava o pacato bairro... e era esse o marido que a surpreendia por trás do encosto verde-musgo da cadeira afagando o seu ombro anunciando a sua presença provocando-lhe asco e terror sob o peso inexorável de sua mão. E que belo quadro formavam os dois aos passantes! Vistos de baixo, uma senhora de plácido sorriso (será mesmo que sorria? difícil ver aqui de baixo.. com uma casa dessas, como não?) e uma mão que lhe descia ao ombro, a mão firme do provedor, este oculto pelo reflexo que batia na janela. Como serão as coisas vistas lá de cima? Talvez perguntassem aqueles que passam.

Se importariam se soubessem que era um verdadeiro inferno?

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Bom, ficou um pouco longo para uma história dentro da história e com uma carga dramática pesada o suficiente para deslocar a gravidade do texto para si, talvez o caro leitor nem lembrasse dessa voz literária que o guiou para o conto, não é? Ah... entendo, voltar a lhe falar diretamente assim quebra um pouco a magia da coisa, como um mágico mostrando seus truques. Se te desiludo, sinto muito mas... gosto de pensar em meus leitores como detetives ansiosos por destrinchar a realidade pedaço a pedaço e admirarem comigo todas as engrenagens do mundo fantástico. 

Para me remediar daqueles que ofendo e para me despedir também, pois compreendo que toda relação tem seu tempo e lugar, escrevo um outro conto sobre o mesmo quadro usando assim até a última gota da inspiração que nós criamos aqui. E nada mais adequado para isso que um conto sobre despedidas.

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Exílio

Elena retirava os brincos de pérola sentada defronte ao espelho na penteadeira. Cuidadosamente os guardou de volta na caixinha de joias de onde os tirara alguns segundos antes. Não pareciam de alguma forma adequados à ocasião, assim pensava vagamente, ainda que no fundo soubesse que essa hesitação era fruto de uma inquietação muito mais profunda. Adorava os seus brincos, do mar de incertezas que era a sua vida ainda podia se prender a esse pensamento como tábua salvadora, sim, os adorava justamente por sua versatilidade, não havia ocasião que não os vestisse bem. Era ela, Elena, que não se adequava a situação.

Encarando os próprios olhos, no reflexo, perscrutou suas memórias, os intermináveis diálogos que a conduziram até aquela infeliz decisão. Exílio, uma palavra engraçada, se pegava pensando, pois podia tanto significar um ato voluntário como algo inescapavelmente compulsório. E sua situação era compatível com a ambivalência da palavra, pois a despeito de sua partida ter sido um plano íntimo seu e de sua família e de viver em um regime autoproclamado democrático, jamais sairia fossem outras as circunstâncias políticas.

Os jornais provavelmente noticiariam sua partida com o mais cínico espanto, como um ato arbitrário e de razões particulares, até egoísta. Imaginem só, um parlamentar renunciando para sair de férias com a família, sem motivo! Elena era tomada de um desgosto profundo ao pensar na imprensa no aeroporto a assediá-la e imaginar as manchetes nos grandes portais de notícias com suas sessões de comentários repletas de leitores hidrofóbicos torcendo para seu avião cair e ela encontrar com Deus, sentenciando em caps lock que "quem não deve, não teme".

E assim seria porque a imprensa de seu país tendia a ter amnésia para certas coisas como... para as ameaças de morte que sofrera e a relutância da polícia em atendê-la por "falta de pessoal" ou mesmo o quase atropelamento de seu filho de oito anos, esse sim noticiado... mas de alguma forma a parecer que ela havia sido uma mãe descuidada. Sim, não só amnésia como desvios completos de perspectiva que nem a mais aguda esquizofrenia explicaria. No entanto, ao contrário do que se poderia supor por todo esse ladrar colérico e vingativo, ela nunca atacou a imprensa, ao menos não diretamente.

Como diz aquele treinador de cães famoso da televisão: o problema nunca é o cachorro.

Elena havia mexido em algum vespeiro e a grande ironia é que atuando de forma discreta e compromissada sem ataques personalistas dirigidos, trabalhando em diversas comissões e inquéritos, não sabia exatamente qual. Ao contrário de alguns colegas seus que tinham problemas localizados com máfias ou carteis específicos, ela simplesmente não sabia quem havia provocado. A névoa entorno de seu perseguidor e o silêncio da imprensa a fizeram duvidar de sua própria sanidade e voltar atrás infinitas vezes. No entanto, mesmo que a ameaça de sua família fosse apenas uma possibilidade, essa era uma aposta que ela não se sentia no direito de fazer e, apoiada pelo marido, se manteve firme na decisão de partir.

E partir para onde, afinal? Talvez devesse se concentrar em seu destino para aplacar a angústia da despedida. Uma Universidade conceituada a havia convidado para ministrar uma disciplina para o próximo semestre, pois era, antes de tudo, uma professora. E, assim, como mestra e como mãe, em detrimento de seu eu político, é que se exilava para proteger aquilo que considerava mais essencial em si mesma.

Exílio ou fuga? Não podia deixar de pensar exaltada pelo orgulho e acuada pela vergonha de seu patriotismo. Se por um lado havia nobreza em se sacrificar por sua família e ainda neste arranjo arrumar espaço para docência, não seria seu cargo parlamentar uma vocação maior? Pois um representante do povo, um legislador eleito, não é ao mesmo tempo pai e professor da nação, um tutor da democracia? Não, este pensamento fez Elena rir de si mesma e recuperar o brio e os brincos de sua caixa de joias; Besteira, sem dúvida! Sorrindo pela primeira vez via o ridículo da situação com um largo sorriso, branco e vívido: tais argumentos, além de profundamente autoritários e paternalistas, seriam uma fuga da fuga. Havia decido partir, pesado os motivos infinitas vezes, e assim o faria.

Seu povo não precisava de governantes que lhe dessem lições e muito menos que os tutorassem para determinado caminho, seu povo precisava, acima de tudo, de respeito e a atitude mais respeitosa que podia ter era recuar, dar-lhes espaço para que percebessem por si próprios o ardil da democracia política sem democracia social. Resumidamente, seu povo precisava, ao menos por um momento em sua história, de governantes que não ditassem o que ele precisava. E eles pareciam não precisar dela naquele momento: se os comentaristas profissionais de portais de notícia representarem mesmo que uma ínfima fração da população (e sabia que era muito mais do que isso), era certo partir... era preciso partir.

Ajudar pessoas aqui ou em outro país não fazia tanta diferença ou ao menos não diferença suficiente para que apostasse nisso a vida de seu filho, seu filho que amava tanto... o sorriso se desfez defronte ao espelho. Seu marido gritava do cômodo ao lado perguntando se estava pronta, o táxi esperava na porta e as malas no corredor. Por que doía tanto pensar nisso? Não em seu filho, mas no amor, a ideia do amor a afligia profundamente, quis chorar, se jogar no chão de soluçar feito criança, inconsolável... feito uma criança órfã. Desolada e perdida em pensamentos, mal percebeu a chegada de seu marido e levou um pequeno susto quando este surgiu atrás de sua cadeira perguntando impaciente:

- Vamos?
- Só um minuto.

Antes de partir precisava sorver desta epifania, a palavra a libertara do mal sem nome: sentia-se feito órfã, sentia-se apaixonada e agonizante com a ideia do amor pois, contra toda a razão e toda lógica, amava o seu país. O alívio da declaração deste amor secreto que se escondia até de sua portadora a tomou de profundo vigor e emoção. Declarava ali defronte ao espelho jurando a si e ao amado, sem dizer uma palavra (não era preciso, de alguma forma sabia), que voltaria, que beijaria mil vezes aquele solo e sentiria falta de todas as pequenas coisas na mais anacrônica e patética adoração. O marido calmamente repousou a mão em seu ombro em concordância e Elena, tomada da mais profunda calma mirando em seus próprios olhos na conformação d'um sorriso sereno e enigmático disse, resoluta e sincera, certa de que aquele não seria um Adeus:

- Vai ficar tudo bem.

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