Já é madrugada, o dia acabou independente de minha vontade. As horas vão passando hereges à neurose que não reconhece a linearidade progressista do tempo, vejo ciclos nessa linha reta que me põe a frete de meu passado por vezes glorioso e por outras sombrio.
Gostaria de ilustrar o tempo, de senti-lo e me apropriar dele, doma-lo. Percebo o tic-tac do relógio da cozinha e observo o passar dos minutos no mostrador ao canto de meu monitor, é tudo tão estranho a mim. Perco-me nos vazios entre um segundo e outro do relógio do computador, se as passadas do relógio análogico me mantinham marchando, a mudança súbita entre um algarismo e outro desta era digital me deixam assustado.
Estou comprimido pelo tempo e pelo espaço. A paredes do quarto parecem se fechar, me prender, é difícil respirar quando a porta não está aberta, tenho de sair. Fujo impaciente pelo corredor, passo pela cozinha e saio pela porta da frente. É muito frio lá fora, mas infinitamente mais aconchegante e acolhedor do que essa casa opressora.
Esta rotina e este novo lar me diminuem, a única maneira de se tomar ar e se regenar são nos tragos desse novo companheiro: o cigarro. Tenho a desculpa para fugir, não posso fumar dentro de casa; tenho o amor e atenção que tanto desejo, meu labrador vem me saudar e requisitar um agrado. Aqui fora estou em casa, lar doce lar.
Todo alívio causado pela nicotina, ou mesmo toda a fantasia que crio por essa fuga temporária, tornam a brisa fria do inverno, que agora congela a ponta de meus dedos, suportável. É claro, é tudo ilusão, mas minha vida tem sido toda ilusória. Minha incapacidade de se entender o simples me torna um sonhador em busca da mentira mais confortável.
Naturalmente é temporário. Meu labrador volta à sua casa, talvez pelo dito frio, o cigarro vai chegando ao fim depois de apaixonadas tragadas. É duro então perceber a realidade de que estou sozinho ao frio em uma madrugada qualquer. Sinto-me sujo, bobo e só. É hora de voltar para dentro, os carros que passam na rua de tempos em tempos já não me servem de companhia.
Fecho e tanco a porta para voltar ao meu covil de solidão, lembrando de não deixar a porta fechada. A porta aberta e a hora avançada me impedem de ligar a música, e também não me importo. Só uma alma apoixonada e vívida, ou pelo menos ignorante das intempéries da vida, poderia se concentrar nas melodias, é tudo em vão. Resta-me o silêncio.
Forço-me a escrever esse texto e exorcizar meus demônios de hoje para os que de amanhã tenham seu espaço. Fecho cada linha com o prazer e dor de quem realiza uma maratona e vai chegando ao seu final. A única diferença é que... não tem final não é mesmo?
Estou preso nos abismos do tempo, estou circulando nos loops neuróticos, estou por aí, só não aqui nem agora. Não tenho os meios para interagir com esse mundo e faço de minha dor um conto com a esperança de que ao termina-lo possa sair do personagem. Direi que é tudo mentira até que eu me convença de que o verdadeiro exista.
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