O ser humano é covarde.
Pensei em ser sutil e sobrevoar o tema até que fosse oportuno mergulhar a fundo, mas uma abordagem mais direta logo de cara talvez desperte o caro leitor. A própria utilidade do despertar é questionável, enfim... O ponto é esse, somos covardes.
O homem só se define como tal em sociedade: "no man is an island" (creio que já devam estar familiarizados com essa frase). E para se enquadrar na dita sociedade, ainda mais uma capitalista corporativista como a nossa, é preciso se submeter a estruturas maiores.
A submissão pode ser direta, como na realização de serviços em troca de abono financeiro, ou no uso de poder de compra advindo deste serviço para aquisição de produtos. Produtos esses, devo lembrar, que implicam na alimentação de outra estrutura.
Ok, mas e daí?
A questão é até que ponto a pessoa se reconhece nas realizações das ditas estruras. Eu respondo: elas não se reconhecem. Só se enxerga o óbvio, o sujeito trabalha em um cubículo mexendo na planilhinha de gastos, ou qualquer gênero vago de serviço, e recebe o seu dinheirinho. O mesmo sujeito vai até uma loja e compra um tênis caro da moda.
Devo ter descrito grande parte da classe média e um pouco das mais baixas, um trabalho simples com recompensa direta e acesso a um bem justo por seu esforço. Bom, não é tão simples. Por mais que o sujeito seja pró-amazônia, contra os lobbystas das grandes corporações, contra a sujeira no governo, seja um cara de familia e blablabla, existe um grande porém.
A recompensa do seu trabalho não é direta, parte do seu produto de trabalho sobe a pirâmide empresarial e fomenta uma estrutura maior. Uma parte ele recebe, essa outra anda por aí a solta e faz das mais diversas coisas sem a ciência do trabalhador (e na maioria das vezes pouco interessa a ele).
É justamente essa parte alienada que fomenta a destruição do meio-ambiente, os lobbys no senado, e ações contra a familia pelo subemprego e etc. Não adianta culpar os executivos de alto-escalão, sim, eles executam, mas só a mando da estrutura.
As regras de lucro incessante são ditadas por nós a cada dia, a cada voto de apoio na compra, a cada voto de apoio pelo emprego em corporações viciadas, ou mesmo o famoso voto brasileiro/idiota nas eleições (algo que talvez seja mais fácil de entender, um voto que é voto mesmo).
Estou vulgarizando o conceito de mais valia até não poder mais, se interessa um viés mais acadêmico procurem ler e se informar, não parem por aqui. Só peguem a lição de que todos tem sua cota de responsabilidade, cada povo tem o governo que merece (seja o nosso Estado mínimo com o Lula e a corja toda, ou o Estado mais amplo composto pelas grandes corporações).
Tem solução?
Não, não vou dizer que se cada um fizer sua parte dará tudo certo porque é mentira (além de um insulto a vossa inteligência). Criamos um monstro, se não vários, combater essa ameaça exige medidas drásticas, medidas das quais não se dispõe no seio da individualidade.
Talvez uma superestrutura benéfica a todos os lados, um outro monstro, nos ajude, mas duvido muito. Essas coisas tem vida própria e tem a possibilidade de, compostas por homens de bem, se converter a práticas maléficas pela visão do todo.
Veja a Nike por exemplo, todos estão cansados de saber da exploração infantil na confecção de tênis de 500 reais, duvido que a criança responsável ganhe sequer 1% do produto final. Ainda assim sou próximo de quem trabalha na empresa e ele não cospe fogo ou sai por aí com um chicote açoitando crianças ao bel-prazer. É uma ótima pessoa. Poxa, eu mesmo possuo dois pares da marca em casa!
O que fazer?
Cada um vai ter sua linha de ação, mas o primeiro passo é a consciência do que está acontecendo. Se vai ignorar, não vou julgar, o único pecado é a ignorância. Apoiar tudo isso é só parte de ser humano, desumano seria não maltratar aquelas crianças! É isso o que somos.
Dá para se manter a parte, viver de feno e roupas vagabundas hippies e todo aquele melodrama. Dá para fazer protesto no ano do Brasil na França porque o governo francês é chifrudinho (como toda estrutura). Dá para se indignar, mas é óbvio que isso não funciona.
Vou encerrar com outra frase gringa, se não se importam: "The apple does not falls far from the tree" (somos filhos do sistema e do sistema seremos partidários). E não é só isso, se nosso pai é o sistema, nossa mãe é a passividade. E inebriados pelo Complexo de Édipo copularemos com a santa preguiça e imaculada leviandade muito humana que tornou tudo isso possível.
Seremos covardes, seremos humanos.
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