Já era noite e chovia. Fogem-me as palavras para descrever o que acontecia no momento de sua chegada. As cores, os cheiros, os cômodos da casa fria, o modo das luzes incidirem na sala quando ele adentrou a porta. Tudo me foge, só não me esqueço de seu olhar e da impressão que esse estranho deixou, como uma mancha no carpete impossível de limpar.
Era noite, chovia e a campainha tocava. Toques vacilantes de minuto a minuto que quase se desculpavam pela petulância de se estar ali. O deixei esperar para pensar quem poderia ser. Morava sozinho e de visita só aguardava o sono que não vinha mesmo após tantos comprimidos, maldita insônia! Após alguns minutos percebi que o visitante não iria ceder.
Pois que nossa atitude perante os problemas não é sempre essa, primeiro esperar que esses desistam de bater à porta e só depois tomar uma atitude? Nos mantemos seguros enquanto é possível, e não há lugar mais confortável que o próprio lar. Sou a própria anedota e metáfora, sou o medo e a insegurança, sou o anfitrião hesitante, não quero abrir a porta.
O fraco sempre cede. Uma vida de desilusões e percalços me fez assim: fraco. Até o medroso tem valia e integridade, este se manteria na defensiva, ligaria para a polícia, mas jamais abriria a porta contra a vontade. E por fraqueza, por insônia, por curiosidade e pelo inominável e incontável fui até a porta. Abri-a...
- Olá, posso passar a noite?
[continua...]
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