"Mais Solitário que um Paulistano"

A noite é fresca na paulicéia desvairada, verão aliviado por uma garoa leve, e meu olhar procura o solo enquanto caminho pelas calçadas irregulares da capital. A cautela é para não tropeçar e me acidentar quando já chegava quase às portas de minha morada; o medo é causa dos mil olhos que me observam do manto celeste...

Os astros, ou a impressão de luz dos mesmos, viajaram milhares de anos através do espaço para esse encontro. Empurram consigo a sabedoria do cosmos jogada sobre mim na figura de um julgamento repressivo: você é insignificante.

Universo cruel! Observador cioso de revelar seus mistérios, nos mantém transparentes por nossa infinita pequenesa diante de tudo que é complexo e verdadeiro. A cidade grande ainda oculta a crueldade, não só na desigualdade escamoteada pelo progresso nas esquinas e faróis, mas também no véu de poeira e luz que distorce e nubla as estrelas...

Não temos o contato com o infinito, talvez ele não exista, seja irrelevante, talvez nós sejamos os grandes astros! Quanta besteira... sei bem que é observador e observado, por isso ando de cabeça baixa conformado nesse espírito de cachorro, subserviente, submisso e leal mesmo àqueles ou àquilo que não merece o tratamento...

Os céus não perdoam, me recriminam por minha incompetência. Deram-me um destino florido, mas insisto em me chafurdar na merda. Só o chão me é digno para o olhar: lar de tudo o que rasteja é torpe e imundo. Pesa-me a tristeza dessa e de muitas vidas nas costas, temo partir o pescoço se eu vier a ousar aprumar a vista.

Mas hei de recuperar um ponto de vista mais digno! Pois que ainda me sobrou a trapaça de espiar o mundo inteiro através do travesseiro...