Sentados à mesa do café, João e Adélia começavam a manhã no costumaz silêncio de meias palavras e murmurios até que...
- Nossa vida não é um comercial de margarina - soltou Adélia quase como um bocejo, mas em uma seriedade impossível de se ignorar.
- A de ninguém é - apelou João para uma resposta mecânica meticulosamente encaixada entre o gole de café e a mordida na torrada espalhando migalhas sobre a toalha de mesa.
- Poxa, mas será mesmo? Começar o dia de bom humor é algo assim tão utópico? - franziu o cenho entre as palavras e manteve os lábios entreabertos ao final de suas indagações por alguns segundos em uma angústia plástica que dava sinais de ter sido ensaiada.
Foi o que bastou para tirar João do sério...
- Olha, não estou entendendo aonde você quer chegar - exaltou-se o marido abandonando a torrada queimada no prato. Estava duro de engolir.
- Lugar nenhum! É apenas um desabafo, um devaneio qualquer - justificou-se a mulher ao terminar o suco e limpar os lábios com o guardanapo.
Quer quisesse ir à algum lugar ou não, já era tarde: o silêncio se movera...
- Desabafo ou devaneio?
- E isso lá tem importância, homem de Deus!
- Tem e tem muita. Perceba que o devaneio vem sem causa e o desabafo visa algo em particular, algo que ande lhe tirando do sério há algum tempo...
- Ok, mas e para você? Sei que são duas coisa diferentes, mas que diferença faria para você?
- Ora, uma das possibilidades me coloca na posição de ter de pedir desculpas sendo que nem sei do que estou sendo acusado.
- Ai, João! Às vezes você é tão dramático.
- Tá... tá, agora me passa a margarina que essa torrada está dureza.
E, de súbito, renderam-se os dois a um sorriso inesperado... como em um comercial de margarina.
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