Disseram-me uma vez que o grande desafio de todo aquele que quer ser alguém é o de vencer na vida. Divirto-me com o conceito de ser alguém, ironizo, pois se propõe um estranhamento de nós com nós mesmos - não seria preferível ser eu do que ser alguém? Parece egoísmo, mas é no mínimo sensato traçar uma linha de onde termina a identidade individual e onde começa o papel dentro do coletivo. Poderia igualmente ainda brincar sobre que vitória seria essa que almeja tanto o alguém... mas infelizmente é coisa séria.
Interiorizei a competitividade que permeia a sociedade, tornou-se um valor meu - ante aos demais, declaro-me orgulhoso. O orgulho, para além da preguiça que realmente me domina às vezes, se torna o meu pecado mais vicioso na medida em que molda boa parte de minhas atitudes. Ou seja, se um governa o meu não-fazer, o outro dita uma boa parte do que de fato faço.. disso se extrai que é sem dúvida mais perigoso, é força motriz de minha vontade.
Quero, sobretudo, ter algo que me deixe tranquilo, uma vitória que eu possa tomar posse - uma vitória moral. Parece besteira matizar o espírito competitivo e começar a falar em orgulho, mas é justo isso que torna claro o que significaria afinal vencer na vida: não se trata de páreo contínuo, de uma liga por pontos corridos ou de eventos regulares para avaliar o bom desempenho, mas de vitórias pontuadas pelo coração como fundamentais.
Através destas, almeja-se uma tranquilidade que alguns chamam de felicidade.
É mais ou menos a questão de se tentar fazer um saldo da vida para determinar se você é um vencedor ou não, por vezes os momentos mais vitoriosos não lhe trazem nenhuma paz e é difícil explicar, através da lógica, o porquê. Eu arriscaria: faltou-lhe uma vitória moral, um absurdo incontestável que não deixasse espaço para nenhuma preocupação.
Peguemos o futebol: no campeonato brasileiro, há times incrivelmente próximos na tabela mas com momentos distintos. Às vezes, o que aflige é uma sequência de derrotas, em outras a eliminação em outro torneio ou até uma única derrota em uma partida que de repente dá o tom do ano inteiro do clube (geralmente um clássico). Fazendo uma aproximação grosseira, vencer na vida - a vitória moral definitiva - seria vencer os nossos "clássicos".
Cada um tem o seu absurdo incontestável, cada um constrói a felicidade ao seu modo... e seria tudo simples, não fosse o fato de um saber-se e construir-se feliz também não desse os caminhos para a infelicidade. Existe, portanto, a derrota moral. E essa, quando acontece, te derruba tão forte que é capaz de transformar o sujeito mais Pollyanna em um derrotista pessimista detestável. Saliento no entanto, não chego a me classificar como tal.
Entretanto, é correto pressupor que tudo o que eu disse vem para o tratamento de questões muito próprias. Em algum momento, desaprendi o sentir puro e simples, tudo se tornou profundamente racional. Até a tristeza eventual, antes vislumbrada como uma violência aleatória da alma de si consigo mesma, passa a ser esquematizada! A tendência é não respeitar qualquer sensação que não possua uma razão de ser, tudo deve ser entendido...
E assim, mataram-se os mistérios do mundo, e assim, morreu a vontade de escrever; a razão, pelo esfriamento da vontade de uma alma que já nasceu velha, leva uma vitória moral sobre mim. Com gravidade, sentencio: a maturidade trará o já familiar sabor amargo de derrota.
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