Na sala de aula da faculdade, eis que me deparo com um termo novo: o paradigma indiciário que, como é comum no que circula no mundo acadêmico, envolve-se nessa sonoridade específica, é pomposo, assusta, daquelas coisas que se incluída em uma sentença já desequilibra a discussão. Desvendar o que afinal significaria são outros quinhentos, ninguém ganha pontos para saber o que está saindo da própria boca, o que importa é o jogo de impressões, o impacto causado. Entretanto, como acadêmico e curioso (muito mais em virtude da segunda qualidade) tive de esboçar um entendimento para o bendito termo, do contrário, atingir-me-ia como um pedregulho, pesada e grosseiramente, mesmo emanado pelas civilizadas vozes dos professores doutores ou recitada na calma de uma leitura silenciosa.
A ignorância é insuportável.
O paradigma indiciário, pelo o que eu entendi, é um jeito bonito de nomear a nossa mania (ou neurose, a depender dos casos) de procurar provas, indícios, para reconstruir eventos passados. O paradigma estaria presente no preceito básico das narrativas policiais, onde o crime é elucidado pelas evidências, e seria transposto para entendimento de todos os eventos passados, sendo a aplicação máxima a História. Seria o presente então uma enorme cena do crime, cabendo ao hábil investigador histórico descontaminar e descortinar as marcas deixadas e trabalhar a reconstrução dos eventos para por fim contar a todos, reunidos ocasionalmente em uma mesma sala, criminosos, vítimas e omissos, quem são os culpados por nossa realidade.
O que é incrível é como essa concepção envolve a nossa compreensão de mundo até no âmbito mais particular. Não buscamos nós em nossas próprias memórias aquilo que nos define e explica o que sentimos? Pequenas provas do que fomos, somos e seremos, como se a resposta estivesse ali, enterrada nas profundezas da alma, em lembranças fragmentadas e partes dormentes de nossa personalidade cabendo a nós, ou nossos gurus (espirituais ou materiais na forma de um conveniente livro de auto-ajuda) e melhores amigos perscrutar a verdade insondável de nossos corações.
Obviamente, tal ambição não se concretiza, muito provavelmente por envolver daqueles desejos insaciáveis que nos torna demasiadamente humanos, sempre buscando mais. A auto-descoberta é uma grande enganação, o que sabemos sobre nós mesmos, o que devemos e podemos saber, já está a mostra.. quem tem algo oculto em si de si mesmo é esquizofrênico. As pistas que encontrarmos só nos dirão o óbvio: somos o que somos e estamos onde estamos pelas escolhas que fizemos.
E veja que nossas decisões, mesmo as mais impetuosas, costumam ser feitas em momentos lúcidos e em plena concordância com nossas vontades. A loucura começa ao querermos editar nossas próprias memórias. Na pressa de querer tudo explicado, ou mesmo tendo se perdido da vontade originária do ato, é rotineiro plantar falsas evidências que deixem o nosso todo coeso. Como uma autobiografia escrita, maliciosa por natureza, a nossa auto-imagem pode incorrer em tal erro... assim como fiz, assim como agora confesso a vocês.
Na primeira vez em que me encontrei pessoalmente com minha atual namorada depois de meses de amizade virtual, teci um punhado de observações, afinal era um momento marcante, que depois foram ganhando proporções incontroláveis na idealização de um amor dormente. Hoje, depois de quase dez meses, já é um caso de amor concreto, o relacionamento mais significativo que possuo, mas na época eramos da bem da verdade apenas duas pessoas que se conheciam gradativamente, mesmo após meses de conversa. É demasiado simplista dizer que algo foi despertado naquele momento, é complicado, e até inútil, descobrir o que realmente aconteceu, como se houvesse uma explicação que desse conta de tudo. Veja você que o que era para ser uma declaração de amor se tornou um enfadonho tratado teórico!
Lembro-me de que a primeira impressão que tive dela foi o estranhamento: ela era diferente das fotografias e do que pude ou poderia imaginar - foi o que consegui a princípio, ater-me na singela constatação de que registros quaisquer não dariam conta de descrever uma pessoa, ainda mais alguém tão especial. A opacidade das fotografias não dava conta das nuances em seu rosto, a suavidade dos traços, as discretas sardas, do contraste entre corpo magro e o rosto levemente arredondado, a risada, a voz e os pequenos detalhes da vestimenta, do andar.. e todas as coisas que não consigo descrever, pois mesmo a memória é um registro. Impressionei-me, mas não me apaixonei, ao menos não como agora. Foi só o começo...
É covardia com minhas pobres memórias procurar a latência de todo o amor que sinto agora, pareceriam-me muito mais pobres e até enganosas ante a toda expectativa de explicar o inexplicável. Mais justo do que procurar indícios, mais sensato do que justificar apenas um momento (o de agora) é saborear cada uma das sensações de que nossa história provém. No princípio, a aventura: mesmo que não tenha sido amor logo de cara (ou que não estivesse "nem aí" para mim, como mais tarde me confessou) conhecê-la foi a minha odisséia.
Não devo chorar por memórias que não foram e não são mágicas, pois, melhor ainda, são reais! Em nossa história, nada tenho que inventar, preencher lacunas é bobagem. Se não houve um grande momento que desse sentido a tudo, a ocorrência de um grande amor cometido e suas pistas, tomo-a como cúmplice, pois juntos cometemos não um, mas diversos e recorrentes crimes contra a razão em nossa história de amor. Na falta de um momento, sentimento - um único amor investigado - houveram vários; na falta da explicação, a sensação;
e nada mais falta.
Em termos, desvendar o passado é tão fútil quanto prever o futuro, trabalhemos com o presente, pois este, como o nome sugere, é que nos é dado. Transformemos as previsões em planos, a incerteza não é razão para deixar de sonhar, e tomemos recordações pesadas e imóveis como leves lembranças, usemos a ilha de edição da memória ao nosso favor na confecção de pequenos curtas a nos distrair quando nada parece acontecer na imensa aventura, esta vivida e estrelada no presente, de viver e de amar.
1 comentários:
"Tedio, Tedio, Tedio..." e o que você escreve é tudo menos sobre tedio. Que paradoxo não? A sua vida internamente é muito intensa embora me pareça que a sua imagem é de alguém muito "calado". Não observo alguém apático e sim, por meio de palavras por vezes incompreensiveis (quem sabe propositadamente), declara-se um ser humano em constante movimento e repleto de questionamentos represados: ora inquieto ora tomado pelo odio, raiva e irritabilidade.Cada um tem ou acredita que tem um conceito daquilo que todos os individuos cultuam: o amor...Da mesma intensidade que você pode senti-lo, por um outro lado, o ódio virá à tona (são faces da mesma moeda...). É o risco! Assim, para se sentir vivo arrisquece-se sempre entretanto sem se autodestruir e prejudicar o objeto amado!Caminho dificil este...quem pode verdadeiramente nos COMPREENDER?????
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