Música

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22 de fevereiro de 2012

A Menina do Laço Azul

Danilo era cartunista assim como eu sou escritor. Se hoje passo a noite em claro desenhando Danilo na imaginação, passava ele a tarde a descrever para si as imagens que via. Até aí, tudo bem, mas padecemos dessa fatal presunção de querer e achar que os outros também podem ver o que vemos, ambicionamos que saibam, que entendam, que sintam! Pouco importa a ocupação do dia útil ou mesmo a nossa vocação, a arte é sempre a profissão de uma vida inteira àqueles de coração aberto. E assim desenhava, Danilo, a moça que vira outro dia e eu continuava essa história.

Estava no café perto do trabalho, assim como agora, quando a viu abrir a porta e soar os guizos da entrada. Uma jovem, não devia ter vinte - não, não mesmo! - interpelava Danilo em pensamento. Tinha a pele clara, (mas não muito!), cabelos cumpridos (mas não muito!) com franja na frente e algumas ondulações ao longo de seus cabelos negros - uma princesa, mas não posso desenhá-la com uma tiara ou coroa, seria muito óbvio! - pensou Danilo enquanto maltratava a sulfite com a borracha. Era bonita e tinha um sorriso sereno, mas isso era o máximo que podia se lembrar o cartunista, de suas feições e principalmente de suas vestes recordava muitíssimo pouco e se sentia capaz de reproduzir no papel ainda menos. Por mais que tentasse puxar imagens na cabeça, reinava tão somente o laço azul da menina em suas memórias e esse era tão vivo e nítido em suas voltas e nós na cabeça de Danilo que me censuro em qualquer tentativa de descrevê-lo aqui para vocês com medo de apagar suas nuances em simplificações.

É isso! - exclamação mental traduzida em um olhar vidrado e meio amalucado enquanto o cartunista, até então curvado sobre a sulfite apoiada em uma prancheta sobre seu joelho, endireitava a coluna e respirava fundo. E então pôs-se a desenhar e a apagar e a desenhar de novo. Em seu papel, gravada em grafite e escondida em lascas de borracha, surgia uma moreninha de traços genéricos sobre a qual pesava um enorme laço azul colorido a faber-castell em um azul celeste sombreado e cheio de detalhes.... Dissertaria aqui sobre o quanto é confuso que "moreno" diga tanto respeito ao tom de pele como à cor dos cabelos e de como colorir com lápis de cor parece algo redundante e de péssima sonoridade me fazendo apelar, mas verso aqui sobre o cartunista e não sobre o escritor. Bom, me redimindo por esse lapso, os presenteio com o fortuito reencontro da musa com o artista - oh!

Ela entrou na loja uns dias depois, ainda com o laço, mas de calça jeans. Danilo agora tentava captar outros detalhes, como os "calçados femininos sem salto" (que sabia se chamavam melissa, mas se recusava a admitir que sabia) e a blusa marrom de gola rolê com mangas arregaçadas. Ocorreu-lhe que o laço realçava de tal forma a sua feminilidade (de uma forma inocente) que se estivesse de vestido, e talvez estivesse da última vez, pareceria mesmo uma princesa . Observações à parte, uma coisa era certa: ele daria à moça seu desenho. Guardava os rascunhos e os carregava consigo em uma pasta para ocasiões como essa ou talvez por sentir, querer sentir, que tinha algo genuinamente seu, algo de valor, ao proteger a pequena pasta embaixo do braço e se torturar com o pensamento de que poderia perdê-la por qualquer acaso ou incidente.

O rapaz, pois sim, também era moço, mas menos moço que a menina do laço, abordou sua musa depois de que essa pediu seu café e se acomodou em um assento. Danilo esperava que ela se sentasse próxima a ele, nos pufes, afinal, quem não gosta de pufes? Mas a danada preferiu uma mesa próxima ao balcão de pedidos do outro lado do salão o obrigando a uma longa e pesarosa caminhada. O "danada" é cortesia minha, pois os embaraços dos quais sofrem os rapazes seguindo o coração me compadecem e confesso: não evito de enxergar sensualidade nas moças que intencionalmente ou não provocam esses pequenos constrangimentos. Enfim, lá estavam os dois: ele, a mão estendida com o desenho depois de uma introdução em palavras atropeladas; ela, segundos à frente, desenho em mãos sob seu olhar e o mesmo sorriso sereno que vira antes que lentamente se desfazia. A garota agora o encarava.
 
   - Então eu sou assim? - perguntou indiferente.
  - Não e sim, ora, veja... sou um cartunista, a gente brinca de exaltar características marcantes e... - hesitante, Danilo procurava justificativas.
  - Eu percebo, é bonito, mas... não sei não - retrucou a moça com o ânimo de um bocejo, sobrancelhas arqueadas um momento, pensara em algo por alguns segundos, mas logo voltara a indiferença.
  - Achei justo, é você no laço, no cuidado, a na escolha e no ânimo do azul: o laço é uma desculpa para pensar em você - sorriu Danilo, não tanto pela perspetiva de agradar a menina, mas pela auto-indulgência, por achar que arrematara a discussão.
  - Sim, mas essa aqui não sou eu não - ela voltara a sorrir, Danilo entendia como deboche, ainda que não fosse nada disso. A menina percebeu o desagrado que provocara e recolheu o sorriso
  - E suponho que isso aí, isso aí é um currículo não é? - apontava uma pequena pastinha com meia-dúzia de dados listados em uma sulfite vista pela transparência - seja mais você já que tem nome, idade, histórico, vocação e até foto! Desculpe-me por ser tão pouco objetivo - ironizava o irritado e frustrado artista, talvez pelo excesso de cafeína, talvez pelo excesso de ego. Sentiu um desprezo tóxico vindo da menina do laço azul e nauseado quis se sentar.

Danilo, encostado em um banquinho no balcão, rabiscou rapidamente em uma guardanapo dois vultos pouco definidos, uma garota e um garoto dava para perceber sobriamente, e foi de volta até a musa crítica no que pensou consigo, já preparando o discurso, uma jogada de mestre. A menina tomava seu café, embora se visse e satisfizesse mais em encará-lo do que em bebê-lo

  - Tome, essa é você e esse sou eu - colocou o guardanapo sobre a mesa talvez de forma mais brusca que gostaria provocando a atenção de alguns consumidores próximos enquanto elevava o tom de voz, ainda que de forma amistosa, segura.
  - Ok - resignou-se ela a ouvir o que queria tanto dizer o rapaz que já mordia os lábios de excitação.
  - Sou ruim com detalhes, por mais que a obsessão por eles tenha me feito o ofício. Não sei sempre o que me faz sentir, o que me chama tanto atenção nas coisas do mundo e aqui especialmente em você. Ei-la, essência despudorada, em uma tentativa que será tão pobre como qualquer outra em captá-la em todas as suas nuances, em tudo o que me fez sentir quando te vi e minha vontade de reproduzir essa sensação, assim como eu aqui, também despido, nessas palavras, tão nu quanto esse rabisco.
  - Não, veja, essa não sou... - respondeu a jovem como que imune a todo o discurso, parecia procurar algo na mesa, mas foi interrompida.
  - Vocês nunca estão satisfeitas! - cortou os gestos dela, Danilo impaciente. Agora ela o fitava com olhares preguiçosos se arrastando pelo salão e depois pelas janelas conforme o cartunista dobrava a esquina do lado de fora.

Tendo ele se retirado, a menina retomou sua busca, bagunçou os papeis, o primeiro desenho, o guardanapo, abriu a pasta e então a bolsa que estava na cadeira ao seu lado para retirar um estojo. Despejou seu conteúdo sobre a mesa, eram lápis de cor, misturou dois tons de marrom e um de amarelo e coloriu duas esferas no lugar dos olhos nos dois desenhos, onde antes haviam dois pontinhos pretos, pois não conseguia ela se imaginar com os olhos negros, pois os sabia castanhos, os sentia castanhos. Coloriu seus olhos que eu, daqui, vou colorindo na minha descrição como sendo de um tom claro quase cor de mel.

  - Aqui está, agora sou eu - e satisfeita ela se levantou e arrumou suas coisas com um sorriso desenhado em seu rosto pelo moço da calça cáqui, barba fofa e de andar hesitante, ela que também desenhava, ela que também escrevia assim ficando mais fácil falar de algo tão abstrato quanto o andar e entender e perceber quando uma história chega ao seu final. Mas tudo bem, sabia também que aquele sorriso não seria apagado tão cedo, iria para além desse ponto final.

1 comentários:

Renatoys disse...

Gostei, trabalha com algo que hoje em dia, muitos consideram antiquado e até inapropriado, mas eu sempre gostei desse tema como as pessoas veem as outras e como as pessoas se veem, é algo muito abstrato, gostei do elemento que vai além da superficialidade da aparência, o fato de ela ressaltar os olhos é bem marcante, pois usando a velha expressão que "os olhos são as janelas da alma", foi como dizer para Danilo que ele viu apenas o exterior e não o interior, viu o corpo mas não a alma.
Bom texto, gostei de você ter trabalhado com a descrição sua de interlocutor e de Danilo com personagem.