Depois de muita investigação, descubro por fim de onde vem o meu talento para a escrita. Na verdade, não tanto um talento, mas uma vocação, já que não se trata de nenhuma habilidade excepcional, só escrevo sobre o que penso e sinto com alguma alegoria e criatividade. Vocação sim, pois é como se algo me chamasse para a execução dessa habilidade ordinária à exaustão, repetir repetir repetir.. palavras, ideias, sentimentos; sem medo. Há alguma coerência nisso tudo? Há realmente talento nesse balbuciar sem rumo? Não sei, mas no mínimo uma vocação, sem dúvida, já que não consigo me imaginar fazendo outra coisa nesse momento ou me imprimir qualquer outra identidade para o resto da minha vida que não a de escritor. Tenho a vívida impressão de que farei isso ainda por muito tempo. Talento ou vocação, não faz tanta diferença, a questão é que isso tem uma razão de ser (que deve durar, como justificativa, não mais do que essa noite).
É notório que cegos desenvolvem os outros sentidos para compensar aonde lhes falta a orientação pela visão, tal como olfato, tal como a audição. Parece-me justo supor que minha cegueira social e emocional no mundão lá fora é compensada nesse espaço de plenitude e coesão que crio em meus textos. Mesmo a perdição ganha sentido em um mundo fechado de ilusões perfeitas em que o amor é apenas uma ideia a ser trabalhada, o tema central de um texto com início, meio e fim. Aqui, caminho sem medo, pois o maior risco já se concretizou tantas vezes que perdi a conta, vezes demais para me causar temor: a solidão profunda. Meus leitores, quando existem, são silenciosos e, mesmo que se metessem a críticas mordazes, sei que a auto-crítica que precede a publicação de cada delírio meu a sobreporia e a neutralizaria. Consigo ao mesmo tempo me sentir digno de grandeza e do lixo, uma percepção de tudo ou nada que, de alguma forma, me mantém protegido.
Não é, portanto, alguma sensibilidade aguçada que me mantém a par das emoções humanas, tão comummente atribuída à bons escritores, e dá vida ao meu trabalho, é, ao contrário, a minha ignorância delas que me faz grande - um grande mentiroso. Sou um dos melhores para falar daquilo que não conheço, talento (sim, aqui arrisco falar de talento) que me valeu algumas facilidades como aluno evitando-me longas horas de estudos por poder intuir soluções nas lacunas habitadas por minha ignorância. Tudo bem, pode ser tudo culpa da melancolia das férias de Julho achar que meus maiores sentimentos não passam de mentiras bem trabalhadas, mas pensar que as palavras de hoje não constituam mais do que um grande equívoco, uma ilusão, só vai reforçar a ideia que vai me assombrar nessa madrugada.
Minha cegueira metafórica vai além, se estende ao mundo da arte. Artes visuais não me impressionam, ou talvez não impressionem tanto quanto deveriam (admito que aqui talvez eu esteja sendo duro demais comigo mesmo). Acho museus extremamente chatos e sem sentido e meu apreço pela fotografia diminuí a cada dia. Tenho também alguma dificuldade com a música apesar de apreciá-la em demasia, letra e melodia entram em conflito na minha cabeça e raramente tenho uma percepção minimamente integrada de ambas, ademais, são poucas as músicas que duram mais do que uma semana em minha playlist. A redenção de minhas inépcias fica à cargo dos filmes em que trilha e fotografia parecem ganhar algum sentido postas em movimento. Sim, gosto de filmes, mas parece que só absorvo um mínimo deles e sinto que se me pusesse a produzir qualquer peça audiovisual o resultado seria desastroso. O realismo e eventual detalhismos de certas "cenas" em meus contos não é acidental, são fruto de uma alma cineasta frustrada que vez ou outra visita à superfície.
Escrever é fácil pra mim e as vezes me pergunto, acho que essa é a grande questão, se não faço isso só pra me escapar de tentar algo novo. Novidades costumam dar trabalho e em um neurótico como eu são dignas do mais profundo horror. Continuaria com a ideia, mas nesse ponto já me começa a parecer besteira tudo o que já foi dito, sou volátil! Mas para não lhes frustrar completamente com um encerramento súbito, revelo aqui uma ideia que tive ainda no rastro das ilusões que pode tornar a coisa toda um pouco mais ilustrativa.. ou até um tanto mais confusa. A ideia me veio como todas as outras, uma frase, uma palavra que de repente ganha contexto, uma gotícula que se condensa, chama um bocado de outras e vira nuvem, algo do gênero (minhas metáforas andam preguiçosas). A palavra em questão é "Igor".
Não deve fazer o menor sentido que um nome próprio conduza qualquer reflexão, ao menos que eu seja assíduo leitor do dicionário dos nomes ou que eu conheça alguém que atenda pela alcunha. Obviamente é o segundo caso, pois do dicionário dos nomes guardo apenas meia dúzia de casos, nos quais se incluem: Luis e Ricardo, meus nomes, dotados de significações que me tornariam um senhor feudal; Natália, minha HighSchool crush; Abelardo, personagem de um conto meu e, pasmem, Frutoso que me pareceu um nome interessante demais para ser esquecido. E que Igor é esse? Confesso que conhecer é um exagero, sei quem é de nome e foto, no que me diz respeito ele é apenas um perfil de rede social... que namora a minha ex.
Quem quer que esteja aí do outro lado a ler deve ter sentido algum desconforto, vontade de fechar a página (e aqui minha aposta se torna ainda mais segura, pois minha ex é uma das únicas e mais assíduas leitoras), vergonha alheia mesmo, pois se antevê constrangimento com esse tipo de situação. Provável que seja, mais do que isso, projeção minha, já que me sinto suficientemente exposto aqui sem dar nome aos bois, mas vamos lá, sigamos em frente! Poderia ser Igor, poderia ser... ok, não me sinto suficientemente corajoso para dar o outro nome, mas imagine como aquele-que-tem-quem-você-quer(ou algum dia quis). Esse segundo tem um relacionamento estável (os dois parecem muito bem) com uma paixão minha que me custou muitas madrugadas - e isso é tudo o que você precisa saber. Igor e o outro cara me valeriam um texto, mas hoje se tornam subtema.
A intenção seria escrever qualquer coisa de lamentosa e melancólica sobre o que os dois tiraram de mim ou, tentando ser mais flexível, me privaram de ter. Entretanto, deixo o espírito invejoso pra outra madrugada qualquer, é uma ilusão que perdeu o sentido. Tudo o que poderia ser com a antiga paixão ou mesmo o que de fato foi e ainda são lembranças com meu primeiro grande amor (de repente, chamar de ex pareceu muito pouco) não é de maneira nenhuma maculado ou usurpado por quem quer que seja, por quem quer que venha. Nenhum deles viverá ou sentirá os meus amores, por mais que estejam com aquelas a quem amei. Conversa de mal perdedor? Talvez, mas é o que salva essa noite, a ilusão vencedora. Hoje não odiarei aos namorados, às circunstâncias e nem mesmo a mim mesmo por me impedir de ter a quem quero, pois meu amor permanece intacto. Hoje, me basta o amor.
E isso é tudo; e isso deveria ser tudo; tudo o que me move, tudo o que me basta... só que não é, ou ao menos não parece. O desfecho otimista (sim, o texto texto mesmo acabou, isso aqui são vestígios) é bizarro diante de minha depressão. Olha, são quase cinco da manhã, se eu estivesse mesmo tão contente eu estaria dormindo ou fazendo qualquer coisa de mais satisfatória e esse texto nem existiria! Daí falar de ilusões. Façamos o seguinte, nos despeçamos por aqui antes que eu invente qualquer outra coisa. Adeus.
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