"Hoje o dia amanheceu sem novidade" - disse Luis encarando a tela do computador, fingindo para si mesmo que houvera se esforçado para que assim não fosse.
Em casa, restringi-me a simples tarefa de esperar, aguardar, assim, como se fosse uma atividade séria e dispendiosa ficar parado no aguardo. Já faz algumas semanas, fiz uma compra pela internet e desde então me vejo ansioso a espera de sua chegada. O código de rastreio denuncia sua presença como "saiu para entrega ao destinatário", após uma tentativa fracassada, ontem, dia em que, absurdamente, vejam só, eu estava trabalhando.
É no mínimo curioso como algo banal do tipo "esperar a encomenda" pode assumir as vezes de sentido máximo da existência, como se a chegada do objeto pedido fosse de alguma forma consertar o universo e tapar os vazios da alma - certamente não vai, mas isso não me impede de esperar com todas as minhas forças, com todo o empenho que pode exigir a tarefa de não fazer nada - de forma que eu não consiga me concentrar em mais nada.
Em turnos, visita-me a fome, o asseio, o tédio, pulsões do corpo e da alma comandando-me à operacionalização de funções mais elevadas do cérebro. É preciso tomar banho; é preciso me alimentar; é preciso fazer algo a respeito de todas os desejos que morrem na má vontade de todas as manhãs e assim sair de estágio de catatonia em movimento, do autômato que se move, senta e levanta, mas já não sente mais nada.
E resistindo a tudo, permaneço.
Aqui.
(devoto do sono e do silêncio)
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