No fundo da gaveta, empoeirada, amassada, esquecida, havia uma carta. Com o destinatário riscado e o remetente em branco a triste carta pereceu antes que cumprisse sua função. Pobre carta! Tanto esmero em sua escrita, tanto cuidado na caligrafia, tudo em vão, um desperdício de tempo, um desperdício total.
Não quero le-la, já sei o que me aguarda, mas não me contento. Com muito cuidado já tenho em mãos a obra de uma mente aturdida, a confusão caótica de sentimentos posta em belas palavras escrita a sangue por um coração ferido. Quem diria, uma carta de amor.
Do início ao final o que vejo é puro lixo, contradições em um texto truncado. Se diz muito da grandeza do amor (até se diz que não pode ser posto em palavras!), mas o autor insiste em descreve-lo.
Declama sua paixão por sua adorada, fala de seu sofrimento, mas em nenhum momento vejo a impossibilidade do amor. Um erro terrível, como adorar algo que esta logo ao seu alcance? Por que não logo se perder, amar, tocar, beijar?! Ao menos tentar!
Logo mudo minha opinião ao perceber o objetivo da carta. A dor enfim chegaria ao seu final após o climax da angústia sofrida. Entregando a adorada a sua alma posta em letras ele poderia encontrar a paz. Ela saberia! O rejeitaria; Ela saberia! O aceitaria. Dois fins possíveis opostos, mas ambos conclusivos.
Um pena porém que a carta nunca foi entregue. De remédio para o sofrimento, de cura para doença, a carta acabou por se tornar uma lápide. Marcando a morte de um amor natimorto
enterrado bem ali, no fundo da gaveta.
“Ao meu amor
Muito refleti antes que resolvesse mandar-te essa carta. A inquietude que meu ser carrega torna impossível segurar tudo o que sinto por mais tempo e a timidez me impede de confronta-la abertamente. Por isso peço que me perdoe por não entregar essa mensagem pessoalmente.
Tanto tempo te adorei em segredo, você nem notou. Não te culpo, fiz o máximo ao meu alcance para que assim fosse. Desde o momento em que tive a chance de estar próximo a você foi questão de segundos até perceber o presente que a ocasião proporcionara.
A princípio não percebi a natureza de meus sentimentos, negueio-os pois, a acessibilidade física era superada pela distância real que nos separava. Éramos de dois mundos diferentes e eu acreditava até mesmo que você pertencesse a outro.
Não tardei a descobrir que nada disso era verdade, você enxergava muito acima de velhos preconceitos e poderia me ver como realmente sou.
Conversamos poucas vezes sempre dependendo do destino, da sorte. A cada palavra trocada o meu coração ficava pequeno para tanto amor, me apaixonei perdidamente. O que senti foi indescritível.
Sua alegria era contagiante e seu sorriso permanecerá eterno em minha lembrança. Lembro-me de constantemente tentar faze-la rir com minhas piadas sem graça, sabia que ao menos riria de mim e isso já me bastava.
Muitas vezes os velhos muros, já anteriormente derrubados, se reerguiam nos tornando distantes. O destino muitas vezes me ajudou até que chegara a vez de agir por conta própria, foi então que falhei repetidas vezes. Durante um tempo até senti reciprocidade de meus sentimentos por sua parte, mas nada fiz senão esperar e esperar.
Chego então ao final de minha carta deixando claro que se não quiser me aceitar por minhas falhas, afinal talvez eu não seja confiável, aceitarei prontamente, mas jamais duvide da sinceridade de meu amor. Tenho tanto mais a dizer mas.. ”
Rabiscado no canto da carta: “do que adianta”
2 comentários:
Hoje não há mais cartas, só scraps de orkut. Será que melhorou?
Desculpa a invasão.
:(
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