Bom, finalmente consegui me desvencinlhar dos enfadonhos e soturnos devaneios que andaram emporcalhando esse blog. Para além desses desabafos sem pé nem cabeça existe aqui um ser que adora contar uma boa história, vamos a uma delas.
Filho de pais divorciados já em minha tenra infãncia cultivo um relacionamento complicado com meu pai, ou talvez a complicação seja a falta de um relacionamento de fato. Encontrando-o em fins de semana alternados nos limitamos por anos a passeios no shopping.
Após três mulheres, sendo a terceira a atual, meu pai atingiu a façanha de procriar cinco vezes. O "score" dele, só por curiosidade, corresponde a metade dos netos de sua mãe. Daaa-lhe papai! Nem preciso dizer que aos poucos esses fins-de-semana alternados se transformaram em semanas.. meses e pra filha do meio, anos.
Eu sou o mais velho, o que coloca me talvez como porta-voz dessa tropa ou no mínimo como responsável pela minha própria, dito que os outros dificilmente tomarão a minha frente nessa questão. Vamos ao ocorrido, talvez elucide um pouco aonde quero chegar.
Reunidos os 5 irmãos pela primeira vez, nos encontrávamos no mercado com meu fazendo umas comprinhas pra agüentar o fim de semana quando chegou o derradeiro momento em que os pais perguntam: "quer alguma coisa?".
Pensei um pouco sobre as possibilidades e, apesar de meus instintos clamarem para não faze-lo, pedi exatamente o que eu queria:
- Pai, quero uma cerveja
- Puxa, você gosta disso? (cara de surpresa)
- É..
- Pega lá então
Tá, eu tenho 19 anos, mas nunca bebi na frente do meu pai. O que eu não consegui demonstrar com palavras precisas a tanto tempo, fiz com esse gesto. Entregando a cerveja a meu pai após xeretar as prateleiras mostro que já fiz isso antes, que eu cresci.
Na falta de um confronto expresso e legítimo eu pedi uma cerveja. Talvez eu esteja divagando demais sobre um acontecimento tão simples, mas eu sou assim contemplativo. Com alguma sorte meu pai tem alguma percepção subjetiva e entenda o que aconteceu.
Como se não bastasse essa cena emocionante a história continua. Quando me questionado se eu queria mais alguma coisa digo que desejo uma barra de chocolate e então, junto dos outros 4 irmãos nos dirigimos a seção de doces. Peguei o chocolate desejado e coloquei no carrinho.
Ainda que eu tenha crescido alguma coisa creio que algumas coisas nunca mudam, abusando do simbolismo lá estava o chocolate remetendo a infância quase que anulando a cerveja. No final das contas acho que ainda quero manter a ternura infantil do laço com meu pai.
Colocando-me nesse papel de criança é irreal esperar que algum dia eu tenha uma conversa séria com ele e, mesmo essas divagações se afastarem um pouco da realidade, o fato de eu ter que orquestra-las pra interpretar o mundo mostra que também me falta a coragem de confronta-lo.
Quanto ao valor reflexivo que a experiência carrega a história acabou, só falta relatar um último ocorrido nesse fim de semana com meu pai. Sentado no sofá, bebendo minha cerveja e assistindo "O segredo de brokeback mountain" vejo ele descer as escadas e sentar próximo a mim.
Que cena surreal, lá estava eu assistindo um filme de um romance homossexual bebendo uma cerveja ao lado de meu pai que não sai do azul, preto e branco (sempre sem estampa) por achar as demais roupas afeminadas e que me vê ainda como criança.
Não demorou nem dois minutos ele resolveu subir de volta. Pois é pai, as coisas mudam..
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