E de todas as coisas que eu poderia desejar o que sempre quiz foi paz interior, não aquela que ilustra provérbios e textos de livros mofados que só ocupam espaço e acumulam poeira em prateleiras repletas de saberes vulgares. Não não, a que ambiciono é a verdadeira.
Indescritível e sublime, aquilo que a faz paz justamente impede a sua descrição ou escrita. Imerso na paz o poeta, por mais espirituoso que antes houvera sido, nada pode fazer se não contemplar o vazio até que este o complete, que este o vista em um véu branco e nulo.
A ausência do conflito impede o tecer das palavras-problema, o substrato do escritor-poeta, do espírito-livre, do filósofo, ou seja lá como você chama estes poucos raros à par do Entendimento. Na paz não há palavras, escritas ou ditas, você pode até ouvir o som das ondas.
O que é a vida senão um caminhar em uma praia, um contemplar do horizonte e a eterna dúvida do que existe além-mar? Oras, a vida pode ser muitas outras coisas, mas fácil se deixar reduzir a metáfora do curioso, do eterno mistério. Vestir este personagem é danoso à paz.
Você pode contruir castelos de areia e fingir que água não ira derrubá-los cedo a tarde; pode correr e se exercitar ao longo da costa para fazer deste tempo, tempo útil sem perceber que tempo útil é tempo perdido (e vice-versa); ou pode fazer o que eu faço.
E tanto contemplei o oceano, não em busca de respostas, sabia exatamente o que queria. Tão belas as ondas quebrando ao longe e por vezes um longe mais palpável, mais ao alcanse. Demonstram uma força e movimento dos quais minha vida jamais se mostrou portadora.
Não raro a maré recue uns tantos para a formação de ondas escabrosas, geralmente me afasto e deixo que esta exploda na costa enquanto admiro em local seguro. Pois que existem dias em que a coragem, ou tolice, toma conta de mim.
Perfura-me o desejo de permanecer imóvel, me deixar atingir, quem sabe eu não roube esse vigor do mar bravio? Quem sabe... alguma coisa mude?! E fui eu a encarar este recuo que agora relato. Mesma rotina, cessar de ondas, maré volta uns tantos.
E avisto ao longe o gigante que me derrubaria agitando seus múltiplos braços, ou mesmo o moinho-de-vento no qual, como Quixote, eu enterraria minha lança por acesso de loucura, ou mesmo paixão de que este mundo, esta praia, está em falta.
Chegando a salvação vi meu coração palpitar, um suor frio, tremedeiras, perna bamba e percebi que sorria. E como sorria, gritava: "pode vir!". Louco e alucinado a esta altura já tinha de mover o pescoço para cima se quisesse enxergar a minha onda. (Estranho chamar de minha quando esta claramente não me pertencia) Fechei os olhos, era a hora!
E foi a onda quebrar no mar.
Talvez estivesse afastado demais, talvez tivesse exagerado a situação e minha onda estivesse mais ao longe (não deve ter chegado ainda). Seja como for, não foi aquele o momento em que me seria permitido tirar os pés do chão por um minuto, ser tragado e ter apenas de pensar em voltar à superfície (ou mesmo me deixar levar).
Hoje o que anseio é apenas ouvir o som das ondas, sentir a areia sob meus pés e os odores marítimos. Cansei de contemplar um horizonte cioso de revelar seus mistérios e ondas furiosas e egoístas que me excluem de sua festa particular. Chega, quero paz!
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