À caminho da faculdade eis que...
Maldito trânsito, estou enfurnado nesse veículo por mais uma hora com certeza, que inferno! Dá até tempo de pensar sobre a vida, como se eu já não pensasse o suficiente para ter dores de cabeça, mas dada a oportunidade não vou perdê-la.
Melhor esperar um pouco, pois o sinal abriu. Fecho os olhos um pouco, sinto o ritmo do trânsito, a velha rotina: pé na embreagem, primeira marcha, acelero, ainda deixo o pé da embreagem, pois logo vem a segunda... esta que sempre se frustra. Sinal ainda aberto, mas a via está entupida, não será a terceira dessa vez, freio e volto ao ponto morto.
Já é tão natural, passo por tudo sem abrir os olhos, talvez por fazer esse trajeto todos os dias no mesmo horário, talvez por estar em um ônibus... deve ser essa última. O desejo de conduzir me leva a dirigir quando fecho os olhos. Quero ter de volta o controle dessa vida que passa sem deixar lembrança, sem dizer adeus.
Finalmente um pouco de alívio na passagem, completo o trecho mais complicado, o ônibus já ousa chegar à terceira e quarta marchas, a balançar e a deixar que o vento agite meus cabelos e alivie um pouco a atmosfera que pesa pela respiração e transpiração de tantas pessoas em tão pouco espaço. Quanta é a impotência do passageiro?!
Ao menos estou sentado, ao menos ainda posso fechar os olhos e ver alguma coisa que não isso. E lá me vou mais uma vez a pensar sobre a vida, a voltar a conduzir no sentido mais metafórico do palavra. É quase como se o movimento mais solto do ônibus motivasse a desenvoltura das ideias.
Talvez estar ao volante não me permitisse ir tão longe, se o pensamento vai a essas alturas é pelo estímulo externo do progresso do coletivo, sozinho eu não teria força. Guiaria o meu veículo, cuidaria do meu conforto, somente isso, uma guiar de ponto-à-ponto. Prefiro muito mais a odisséia de pensamentos do que tracejar ponto A-ponto B. Esse lugar já não parece tão ruim.
Como passageiro, vou muito mais longe percorrendo a mesma distância. Alimento-me das conversas alheias, dos humores, dos cheiros, das cores: da vida. E por mais que eu pense na vida não preciso tomar nenhuma atitude, ser conduzido me permite atuar 100% no plano teórico.
Tenho toda a escolha que preciso: selecionei o ônibus (meu destino) e o assento (meu caminho), estou no controle sem estar, o que poderia ser mais perfeito? Brinquedo dado nas mãos de uma criança crescida, ou que se recusa a crescer, mas e depois? Uma hora terei de descer.
Nem ouso falar em felicidade após os percalços de aventuras amorosas e parcas realizações acadêmicas, tenho cabeça e coração, orgulho e amor, altamente danificados. Ainda assim, se houver ao menos um espaço de não-sofrimento, de proto-felicidade (ou seria pseudo-realização?) teria de ser esse: o assento divagante.
Sair e ter de por minhas ideias a prova? Não estou pronto, deixe me pensar mais um pouco! Explorar enigmas e traçar novas rotas? Mal me situo nesta que me é familiar! Seria trágico ter de sair agora, justo agora. Sim sim! Já sinto a felici...
Ah, meu ponto chegou
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