Convém, aos leitores, imaginarem-se em dada situação para apreciar o relato de forma adequada: Sentado em uma mesa de bar qualquer, você é abordado por um tagarelante e amargurado sujeito munido de uma história. Sem escolha, você sucumbe ao bombardeio.
A intimidade é um caminho sem volta... ou com poucos retornos. E o contista beligerante não lhe deu escolha e, de peito aberto, conta sobre sua vida. Antes de perceber, já se está à vontade, entre amigos, como no causo que o sujeito narra em voz exaltada...
Um fim de semana em um sítio, nada sofisticado, apenas a presença de colegas da faculdade, carne, bebidas e piscina. Um atraso aqui, um imprevisto acolá, tudo era lúdico já no início. Carne a rodo e uma piscina sob um sol feroz, que se despedia do verão, relaxaram os corpos tensos dos paulistanos estressados. Depois veio a bebida...
Abriram-se as mentes e os sorrisos, a rotina ficou de lado. Logo se esgotam as atividades, bem como qualquer vontade de fazer algo além de ver o tempo passar. A única preocupação, se é que se pode ser chamada assim, era a de manter corrente o uso do lubrificante social e do diálogo sem sentido. Todos embriagados, empanturrados e felizes.
Veio a noite e com ela a escuridão, não tardaria até que meus fantasmas notassem minha ausência em minha cama e assombrassem o novo leito. Eventualmente, todos foram dormir incumbidos de derrotar seus próprios demônios. Mesmo entre amigos, estamos sozinhos.
O momento de exceção, de relaxamento mental nas engrenagens duras de reflexões pesadas e inflexíveis, permitiu-me ir bem longe. Pude sair de mim mesmo e inquirir-me de forma adequada, pude perguntar: "afinal, o que você quer?"
Soube na hora o que queria e porque jamais conseguiria, soube que minha luta é por prêmios de consolação e medalhas de honra ao mérito. Agarrei-me o quanto pude a essas meias-conquistas e tentei sentir orgulho, mas sobreveio a tristeza.
Voltei a mim e percebi uma lágrima cenográfica empurrada para fora junto com a miriade de sentimentos que tanto guardei. Estranhei aquele momento, aquela tristeza... aquela lágrima. Já era estranho à mim mesmo, quiz então dormir, devia estar bêbado.
Nunca beba se não estiver disposto a lidar consigo mesmo...
Acordei de ressaca, criei mais algumas memórias, fiz as malas e já estava indo embora. As duas sensações universais do viajente em regresso surgiram: a de que a mala estava mais pesada na volta e a impressão de que algo havia sido esquecido no local.
Uma interpretação mais realista das coisas diria que a mala pesa, ou se avoluma mais, pelas quinquilharias adquiridas (ou roubadas do hotel) e pelo empacotar apressado da volta. Quanto a impressão de deixar algo para trás é um temor quase instintivo. Nos apegamos tanto às coisas que nos impomos mil checagens para nada se extraviar.
Prefiro, no entanto, pensar que a mala pesa pelas experiências e memórias que trazemos de volta na bagagem. As alegrias e, até mesmo, a tristeza absoluta de certa noite. E se mesmo de mala cheia nos falta algo é por deixarmos uma parte de nós pelos caminhos em troca das dadas memórias. Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
No metrô, separado dos amigos, tudo pareceu tão banal. Percebi que provavelmente faria pouco uso daquilo que trouxe na bagagem, até mesmo por uma questão de auto-preservação. Não estou pronto para lidar com meus próprios sentimentos.
No entanto, não quiz que tudo se perdesse acidentualmente, por isso compartilho essa história com você que teve a paciência de me escutar. Que fique entre nós dois, entre amigos. Empresto-lhe minha história hoje à troco de forças para continuar amanhã...
Nem que, no final das contas, eu faça uso dessas forças para reviver a mesma tristeza
1 comentários:
oiii
Vc escreve mto bem!Nunca tinha lido o seu blog!Não fique triste, foi um ótimo FDS e tem coisas que são assim mesmo, deixa o tempo rolar...as coisas se ajeitam!
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