Um dos últimos fenômenos do mundo literário, que demanda menos inteligência de seus habitantes do que o nome sugere, é essa espécie de livro de auto-ajuda intitulado "O Segredo". Assim como a premissa pavorosa de vampiros adolescentes do "Crepúsculo", a promessa de resolver a vida das pessoas por ensinamentos básicos me incomoda.
Isso para dizer o mínimo. Eu, que sou um sujeito razoavelmente tolerante e calmo, fico quase colérico ao falar com desprezo dessa porcaria. Seria aceitável, se eu ao menos tivesse dado uma folheada. Não faz bem o ódio injustifcado, já o ódio normal causa aquele mal estar, o inustificado ainda te diminui intelectualmente.
Então, à título de pesquisa (veja bem, foi só um experimento!), eu fui atrás do tal livro. Na verdade, nem precisei fazer muito, ele se apresentou à mim. Meu irmão, ao ver o livro na prateleira de um familiar, pediu emprestado. Também devia ter a mesma curiosidade que eu, mas foi mais pró-ativo... ainda que deixando o livro jogado aqui em casa.
Mal deve ter lido o livrinho, meu irmão é muito disso, de começar as coisas e não terminar. Claro que eu não sou todo valores, comecei a ler o livro por pura vagabundagem. Eu tinha de estudar para a faculdade então procurei alguma coisa para não fazê-lo, ao menos não naquele momento. E lá estava o livro!
É fácil resumir a ideia que permeia a obra: controle da sorte. Simples assim. Por uma mudança de postura, envolvendo exercícios mentais e físicos, você manipula os resultados de coisas que não estão sob seu controle direto. Puxa... acho que acabei de descrever a religião! Mas enfim, isso é assunto para outro dia...
O importante é que certas coisas ali determindas eu confesso fazer. Não porque o livro me disse, mesmo porque eu já as fazia à muito tempo, mas sim por senso comum, ou até superstição. Como se preparar para o sucesso e arrumar espaço para a novidade.
Se você quer algo, é lógico ter espaço para quando esse algo chegar, ainda mais na eminência do acontecimento. Uma mãe prepara o quarto do bebê antes de ele nascer, por exemplo. O livro leva isso ao ridículo com os seus relatos de pessoas bem sucedidas (cuja veracidade nunca será comprovada) que dão credibilidade ao método.
Parei em uma página na qual uma mal amada contava sobre seus insucessos que antecederam ao método. Aquela baboseira toda de como é difícil achar o cara certo... e é óbvio que vai ser! Boas as chances de conhecer um cara e ele ser gay, canalha, babaca, pedófilo ou até evangélico! E se a mulher é feia então... aí ferrou.
Devaneios à parte, a mal amada prosseguiu. Ela se preparou para receber o homem da vida dela, seguindo os conselhos d'O Segredo. Estacionou na garagem de jeito á deixar espaço para mais um carro, deixou o guarda-roupa com uma parte livre e etc. Magicamente, depois de um tempo (que não é especificado), ela encontrou seu macho.
Ela acreditou, se preparou e o universo colaborou. Mais idiota que esse relato só o do sujeito dizendo que os amigos se surpreendem com a facilidade com que ele encontra vagas nos estacionamentos por apenas visualizá-las. Nessa hora, encerrei a leitura.
Um pequeno adendo: esse ano, estou procurando emprego e estágio. Até cortei o meu cabelo depois de dois anos sem tocar em uma tesoura. Pensei em tirar a carteira de trabalho já pensando nessa lógica de preparação, isso antes de ler o livro. Não o fiz, achei ridículo, pensando uma segunda vez (a preguiça ajudou, confesso).
Gosto de transmutar cultura inútil em cabedal cultural. Às vezes, não sei se sou realmente criativo ou se me atrevo mais que as outras pessoas ao buscar inspiração em lugares inusitados. A vida em geral é que me inspira, e boa parte dela esta nas séries de tv e livros de auto-ajuda. Afinal, é esse o imaginário do homem contemporâneo.
E, ao misturar o que eu aprendi ali com a carga emocional de uma decepção, pude perceber do que realmente se trata o segredo. Você não cria espaço para o sucesso, você cria o vazio. E, pensando bem, ao se escrever para a massa (sendo em maioria constituída de pessoas superficiais e sem personalidade), é o melhor concelho para se dar.
São tão sem personalidade quanto flexíveis, como balões de ar. Sem ar, são pedacinhos de borracha que assumem qualquer forma. E então se inflam pelo sopro de um qualquer, ganham sua significância, seu tamanho, por uma arbitrariedade. Mesmo que a física diga que o ar é algo, que existe alguma coisa, o bom senso denuncia: estão cheios de vazio.
Criar o vazio: é essa a lição, se encher de ar. A metáfora é bastante falha, agora percebo, mas dá para perceber aonde quero chegar. E nesses últimos dias tenho me enchido de sonhos e espectativas, até arrumei espaço em minha vida para a novidade. Coloquei minha melhor roupa e fui à luta, mas tudo em vão, tudo na mesma.
Deixei de ser pequeno em minha depressão improdutiva para ser um grande vazio nessa melancolia pró-ativa. Cada dia passa com a promessa de uma nova desilusão e eu torno a me erguer para mais. Levantar da cama é masoquismo, sei das dores que virão.
Não sei se o vazio crio agora pelas novas promessas ou se culpo uma paixão passada. Amar a musa das musas deixou cicatrizes, já superei a dor, mas ficam as marcas. Os amores de agora, a contemplação de novos objetivos, sempre deixarão à desejar. Nenhum sentimento é grande o suficiente para tomar o vazio que ficou.
E qual é o segredo para curar o vazio?
1 comentários:
Como assim , como assim vc não acabou de ler o segredo? O rapaz lá realmente encontrava vagas no estacionamento e quando não encontrava, esperava 5 minutos,e xuxuxux, elas apareciam! Tem uma coisa pior que o livro ! O DVD! Pode ser considerado tortura inclusive . Eu tentei o ano passado, decorei cada frase ,mas acho que desegredei, porque não deu !! To revoltada até agora ! No fundo a mensagem é não pense, só peça, assim vc não ajuda a mudar porra nenhuma no planeta, vc só se preocupa em pedir teu carro e tua mansão e o mundo continua caindo @ Valeu pelos maravilhos comentários de sua pessoa no meu blog, gosto demais deles, sempre fazem meu dia melhor . Quando alguém inteligente aparece por lá como vc, não me sinto sozinha ! Beijo
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