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15 de junho de 2010

Sigilo Perpétuo (parte 1)

João dormia e acordava com um segredo todas as noites e manhãs, não necessariamente nessa ordem. O peso na consciência alterava o seu sono, não existia equilibrio em uma vida que pendia tanto para o passado... até agora.

Eram quatro da manhã quando um desperto e mal humorado João saltava da cama depois de um pesadelo. Sua memória, sua sina, sempre nítida e clara lhe visitava em sonho tingida de um vermelho vívido. Os detalhes do acontecimento se misturavam, se perdiam e mudavam durante os varios anos que se sucederam, mas as sensações daquele dia...

Lembrava exatamente o que sentira, como sentira em que ordem. Via tudo como filme de terror repetido que espiava com olhos de criança, sabia quando viria o alívio e contava os segundos até que tudo acabasse, mas não conseguia fechar os olhos quando o pior se sucedia. Uma parte dele morrera aquele dia e um outro morrera por completo.

João, brasileiro, latino-americano, teve a infelicidade, como muitos, de passar por um regime ditatorial em sua juventude. Não se envolveu em lutas estudantis ou em guerrilha urbana, a morte de sua calma foi uma baixa civil, sofrera mesmo sem estar no front. Um regime violento atenta contra todos os envolvidos direta ou indiretamente.

Fez o café, serviu-se de um um pouco e viu sua memória se perder na líquido negro despejado em sua caneca de "Melhor Pai do Mundo". Pensar na sua esposa e filha que dormiam profundamente, livres de sua angústia, lhe distraiu do passado e do gosto de tinta da caneca artesanal que batizava o seu café e lhe dava certa tontura.

Ligou o computador, pois sabia que os noticiários só começariam algumas horas depois. Os dias em que as atuações terríveis e a missão educacional duvidosa do Teleurso 2000 lhe entretiam já passaram, precisaria de algo para se manter no estado de distração.

Passeando entre os principais sites de notícias, encontrou algo sobre uma resolução para a Lei de Arquivos brasileira. À princípio, pensou que nada poderia ser mais desinteressante, mas estava no grupo de principais notícias em muitos lugares. A incongruência das duas constatações lhe intrigou. Por fim, decidiu clicar em um dos links.

Ao passar os olhos pela tela do computador que iluminava o escritório escuro, sentiu o seu sangue gelar. Era verão e tinha acabado de tomar uma xícara de café quente, mas mesmo assim... Algo lhe assustara profundamente, algo que vinha de um lugar aparentemente inofensivo. A leitura dinâmica lhe assombrara, não ousava ir além dela.

Custou para que recuperasse a calma e passesse a reconhecer as palavras uma a uma. O título dizia: "Presidente sanciona resolução que elimina o sigilo perpétuo." O texto seguia falando do caminho da resolução que atravessara câmara e senado e, depois de ir e voltar sob muita discussão, chegara ao seu destino final.

Os pormenores do poder legislativo aqui pouco interessam, o que perturbava João eram os desdobramentos possíveis que se sucederiam. O que estava em jogo ali, e o jornalista fez questão de ressaltar, era o fato de que muito do que fora e permanecia acobertado, mesmo após o fim do regime autoritário, poderia vir à tona. Poderia...

O que mudou apenas era a impossibilidade de se declarar sigilo perpétuo no acesso à determinadas informações. Ainda era possível inundar as instâncias que visavam tal acesso com burocracia ou mesmo decretar um sigilo de 50, 100 anos e não mexer em feridas recém fechadas. Mas a calma de João já era frágil diante do perpétuo, sem ele...

A perspectiva de que mais alguém compartilhasse o conhecimento dos eventos que lhe perseguiram por anos lhe angustiava mais que a própria angústia de ter sofrido o que sofreu. Sua mente não abstraía a ponto de pensar em um alguém qualquer daqui a anos, pensava em sua mulher e filha, as mulheres de sua vida. O que fariam se soubessem?

Não teve escolha senão repassar os eventos daquela noite que tinha agora o seu segredo posto em risco...

[Continua...]

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