Vivemos em uma era de vazios, isso deve ser lugar comum aqui. Sabemos o que não queremos para nosso futuro, aqueles ismos tão ultrapassados, mas nada colocamos no lugar. Quando muito fica um nadismo ou esse tal de pós-modernismo que nem sequer vida própria tem, existe em relação ao antecessor, abrange toda e qualquer estranheza que superfature ou desvalorize o que veio antes - sem novidades.
Vazios são preenchidos, esse é o perigo, do contrário não haveria problema nessa doutrina de hedonismos, buscas por prazeres instantâneos, fúteis e rápidos, de momento. Estamos entediados, mas gordos de tanta ignorância, o inverno é próspero para aqueles do lado de cá da miséria e da exploração. Devoramos o mundo incompreensível, cuspimos de volta no prato e repetimos até que cada aresta solta seja aparada em uma visão holística cada vez mais simples. E assim o vazio foi preenchido.
Temos agora uma crença mais forte do que qualquer religião que congela a estrutura do mundo, a naturaliza e a torna uma força imbatível pelo homem: acreditamos na igualdade. Vagueie na internet por um instante e vai se deparar com um punhado de referências comuns, uma língua internacional tecida fundamentalmente pelos relatos fragmentados dos jovens dos anos noventa. Sim, meus textos tão "sérios" chegam agora no ponto de comentar os tais memes da internet. Mas admita, é algo muito interessante.
Existe um site que coleta seu conteúdo de usuários ao redor do mundo submetendo-o a um sistema de votação expondo os mais populares em uma página principal. São postagens rápidas, comuns aos blogs de humor. À princípio vislumbrei certa inteligência naquela forma de humor tão dinâmico que reaproveitava piadas em outros contextos, os tais memes, criando um repertório comunitário, quase uma linguagem própria baseada no inglês. Era incrível como pessoas terminavam a piada pelas outras, ou as melhoravam, pessoas muitas vezes de outros países, de experiências muito diferentes, mas vivendo um entendimento tácito.
É possível, no entanto, que a piada tenha perdido a graça. A crença na igualdade passou como um trator sobre o mundo, o planificou em um entendimento geopolítico raso que parece dar conta de tudo. Essa nova linguagem, mesmo que baseada no humor, é perniciosa. Lembra-me vagamente a Novafala de 1984, uma língua projetada para reduzir seus vocábulos gradualmente até aprisionar o modo de pensar e de sentir e deixar a todos completamente apáticos. A diferença é que nós aqui, diferente da ficção, criamos e desenvolvemos o nosso próprio arreio de forma, até pode se dizer, espontânea.
É óbvio que estou extrapolando aqui, mas pense por um minuto no quão rápida e fácil se tornou a comunicação entre as pessoas. Temos de lidar com tudo ao mesmo tempo, já é complicado o conflito geracional de habitantes de um mesmo espaço, e presumivelmente a mesma experiência social cotidiana, agora lidamos com pessoas do outro lado do globo em um clique, nos expomos a ela... e elas entendem tudo (com facilidade)!
Entendam, não sou nenhum fascista pregando a pureza, ou monge propondo o isolamento, mas deveria ser mais complexo do que isso. A individualidade foi saqueada e até mesmo a identidade de grupo corre perigo (entenda aqui nacionalismo, cultura ou seja lá o que for)... estamos perdendo terreno! Somos uma massa coesa destituída de sentimentos e pensamentos mais complexos do que podem ilustrar nossos memes pronta para o abate de uma entidade supraestatal que nos jogue de um lado para o outro, ping-pong com nossos olhos e ouvidos. Unidos, assim, esmagados e fúteis, pereceremos.
Mesmo aquele grupo de cyberativismo, o anonymous, em uma forma de enfrentamento do status quo presumivelmente nova, se utiliza de máscaras de Guy Fawkes, ícone de uma luta tão distante no tempo como no conteúdo. Já está começando, vê? Somos débeis até quando contestamos, incapazes de criar nossos próprios símbolos. Mas acho que entendo, graças ao filme V de vingança, a tal máscara se tornou um símbolo acessível e é preciso ser um pouco dogmático para chamar atenção, utilizar-se de algo que resuma as ideias.
Acho que somos educados para isso desde cedo procurando com o livro escolar de literatura o que Machado de Assis quis dizer ou lendo a cartilha de resumos para o vestibular. Queremos tudo mastigado. Mas tenho certeza que Machado escreveu exatamente o que queria dizer. Agora tenho. Invertemos o mundo, achamos natural a síntese como se fosse uma resposta oculta na integridade, esquecemos do que veio antes. Não permitiria que me resumissem, apenas que me introduzissem ou apressassem minha despedida, como agora necessito. Tire sua própria conclusão. Até que ponto vale a pena ser igual ao outro?
PS: Mais assustador do que tudo isso é talvez pensar que tenhamos sido os mesmos já há muito tempo e a internet só tratou de colocar em evidência a nossa incrível futilidade.
PS: Mais assustador do que tudo isso é talvez pensar que tenhamos sido os mesmos já há muito tempo e a internet só tratou de colocar em evidência a nossa incrível futilidade.
0 comentários:
Postar um comentário