Hipergrafia

Hoje como não há muito tempo, tive uma experiência com a realidade - revelação genuína! Hoje, ainda que no início da madrugada, mas ainda falando de experiência presente como fazem os blogs e diários, por mais que aqui eu fale de movimentos do coração pouco ou nada refletidos no mundo de fora - sendo a escrita o mais exterior que conseguem ser meus sentimentos. E pensando mesmo na escrita que vi como meus textos se tornam cada vez mais precipitados e incoerentes, fugidos e repetitivos, ideias que se empilham sem ordem através de sinapses descontroladas como se eu utilizasse psicotrópicos. Afinal, quem sou eu para gaguejar assim como Fernando Pessoa em Álvaro de Campos? Ninguém.. ou talvez um alguém doente e isso tudo represente muito mais a própria doença do que uma cura.

É terrível ter de supor (e já concluir por teimosia e falta de disposição em discutir) que o remédio da alma talvez seja sintoma de um delírio e não um "delírio poético", mas uma deficiência oculta que tomei tantas vezes por talento. Hipergrafia é o nome da coisa, ou indicativo da coisa, coisa essa que mal entendo, mas mal mesmo haveria de entender, o que tenho é a urgência de escrever, não de sentir, não de pensar - e escrever a palavra me acalma. O leitor não tem acesso aos meus rascunhos, à minha mão suja de tina, ao caderno de textos não datadas, folhas de fichário da faculdade de caligrafia sofrível, mas mesmo nesta forma mais pura pode ver a bagunça de ideias, o montante de vírgulas que uso de solda para unir pensamentos e sentenças que não se pertencem, que não me pertencem.

Não os dato, não mais, evito de datar os fragmentos originais, pois pouco me importa o dia ou a hora em que escrevo, como se não houvesse balizas temporais em meu ser - cedo ou tarde tudo se perde no mesmo nada. Mario Quintana, que pouco conheço, advertia ao poeta que não datasse os seus textos para que se pudesse melhor aspirar a imortalidade em seus versos. Vendo a mesma ideia a mim mesmo, primeiro e último leitor de minha prosa,  pois se a angústia for imortal, talvez isso me impeça de pensar em suicídio (ao menos que seja uma boa forma de se encerrar um pensamento, como aqui).

Hipergráfico permaneço, explícito em meu gritos de dor, uma dor mentirosa que se ajuda ser criada pelo próprio desabafo; hipergrafado no extenso relato de uma loucura que ainda não aconteceu, pois o que me devora mesmo é a sobriedade, é o Tédio. De alívio, existe esse gosto estranho pelo formato das letras no papel, as curvas da minha letra m e, já fora do rascunho, o regojizo na formatação rígida que imponho ao escrever no blog. Tenho destes exercícios, atos de uma TOC encenado que começam aqui no computador quando estendo ideias ou as encerro prematuramente para que o comprimento do parágrafo e sua última linha seja de meu agrado e me acompanham na calçada quando coordeno as minhas passadas nessa valsa flertando com a loucura ao evitar de pisar em rachaduras como num jogo.

Por todos os poros o corpo pede, meu corpo em brasa por uma coceira estranha exclama pela regra e pela certeza, pede o Tédio! Como se houvesse o risco de eu me perder, virar pedra ou pó em contato com a realidade selvagem. É medo, pode ser medo, mas se disfarça de doença, de sintoma, de literatura, sendo tentador justificar todos os meus problemas por um desequilíbrio químico ou ainda excesso de inspiração. Sociofobia, talvez? Entre o medo e a doença, um temor patológico, alternativa justa e lógica... e insuficiente. Só quero escrever, ainda escrever, para além da conclusão, para forma de mim! Mas vou parar por aqui, não por ter descoberto ou aprendido algo e muito menos por estar satisfeito. 

...e sim por ter acabado a página do caderno.