Música

http://www.blogger.com/add-widget?widget.title=Megadeth Radio&widget.content=%3cscript type%3d%22text%2fjavascript%22 src%3d%22http%3a%2f%2fwidgets.clearspring.com%2fo%2f4adc6e9803694c34%2f4b33ce080a7736c8%2f4adc6e98366e230e%2f41409611%2fwidget.js%22%3e%3c%2fscript%3e

Pages

15 de abril de 2012

Império dos Canalhas

- devolvido e entregue à Natália, proprietária original da ideia central do conto.

A flexibilidade depende da dor - diria então aos colegas em seminário, Pedro, nosso canalha padrão imaginando-se aqui um cenário nem tão imaginativo assim onde os valores que permeiam a nossa sociedade real e nos alvejam no escuro, antes nos atingissem em aulas temáticas e francas, como Pedro, nesse exemplo, viria a expor em seu trabalho. Diante dos colegas, obrigado à avaliação por seminário em grupo, se discutiriam ali os valores canalhas e, tendo o colega anterior já falado à classe sobre a História dos canalhas cheias de glórias mentirosas e mentiras gloriosas, caberia a Pedro falar de remorso e reparação (ou da ausência dos mesmos). A flexibilidade depende da dor foi seu ponto inicial.

A questão era assim pensada: haveria sempre uma elasticidade moral em cada qual sendo ela exercitada e testada no cotidiano. À principio dói a consciência, nos incomoda, e depois nem tanto. À partir dessa premissa, Pedro fazia o naturalista, o homem escravo do meio, dizendo da impossibilidade de se sustentar uma moral rígida em uma cidade grande ou, mais genericamente, no espaço urbano ou, se precisasse recorrer, embora julgasse que não fosse necessário e ainda mais genericamente, "no mundo pós-moderno". Com tudo isso em mente, apenas como arma para se defender de críticas, se ateve a realidade imediata dizendo que não existe amor em sp ou que existe em toda parte... o que dá no mesmo. Sendo assim, tudo valia, não por ser justo, mas por ser a justiça dos atos e sentimentos irrastreável na poluição que mascara e intoxica e talvez - e aí continuava - a única justiça seja a de sermos imparciais em nossa indiferença. Nada realmente nos importa: sejamos honestos em admitir.

Nessa hora, o professor interviu, pois pensou consigo: tolinho! Como foi achar que alguém aqui está preocupado com o ideal de honestidade! E realmente os lápis permaneceram inertes diante da explanação de Pedro. Estavam sim entretidos pelos seus sofismas, um deleite em terra de demagogos, mas nada os movia muito além nessa masturbação coletiva. E o professor começou a sua intervenção e todos já, lápis em punho, querendo aprender, sorver cada gota de saber que escapasse por seus lábios. Assim o faziam por não ser essa cena um absurdo gratuito, mas uma alegoria de nossa sociedade, da democracia em um país de tolos que se torna uma ditadura do senso comum onde a virtude nos mecanismos de decisão é tão enaltecida que não sobra tempo para falar sobre o que é de fato decidido. E nesse recinto, qualquer república se torna um Império de Canalhas, sendo eles os mais hábeis em forjar consensos. Então todos anotavam, cientes da potestade da palavra, não tanto de seu poder transformador, mas vivendo do gozo de querer um dia estar ali no lugar de comando.

O canalha magister ironizou com Pedro, disse que seu argumento era tão válido quanto a canalhice de Ensino Médio daquele que diz canalha apenas por consequência de uma mágoa no passado. E todos riram do professor e de si mesmos em uma gostosa nostalgia ao lembrar do quanto já culparam os outros, figuras mesquinhas do passado que iam desde garotas frígidas e/ou infiéis à pais negligentes ou excessivamente rígidos. E seguiu o professor em seu pensamento: Não, meu caro, é justamente o contrário! É a dor que depende da flexibilidade, devemos ser elásticos antes mesmo de sentir dor - e os lápis nervosos eram devorados por cadernos e blocos de notas em citações literais e algumas poucas observações em meio a uma comoção contida em sussurros acerca da perspicácia do professor, que, bem da verdade, só operou uma inversão no conceito original de Pedro por não só ser um canalha qualquer, mas um grandissíssimo canalha e ter que ter a última palavra.

A bola foi levantada, agora só faltava cortar, ser incisivo enquanto o moral estava alto para conquistar os corações canalhas. O intelectual apelou para a literatura, citou Rubem Fonseca dizendo que como em O Cobrador, é preciso acreditar que o mundo te deve boceta - não sendo suficientemente apelativo, decidiu, para concluir o pensamento, bater em cachorro morto e falar em religião - afinal, nascemos em crédito e temos mesmo é que cobrar! O pecado original é uma farsa! - e a eloquência os fez esquecer que toda boceta tem um rosto, coisa que mais tarde o tesão o faria e por fim o ego, no cigarro de depois ou na conversa de bar ao se gabar aos amigos... deixando um mar de bocetas anônimas.

E está tudo bem - garantia o professor falando agora comedido, já menos exaltado, dos perigos de ser um canalha que não reflete, que se julga acima da regra, que leva vantagem, reflexão anotada literalmente nos cadernos dos alunos e impresso em suas memórias, mesmo na de Pedro embasbacado que engolia o orgulho e tomava nota. Não pregava, portanto, uma mudança de mentalidades, mas uma adequação a um estado natural pré-existente, não era questão de ser canalha às vezes (pois isso seria hipocrisia! E se nada interessa a honestidade, em muito interessa não-ser hipócrita), mas de ser sempre um pouco canalha, não pra levar vantagem sobre o mundo, mas para levar vantagem sobre si mesmo e os próprios instintos. E está tudo bem - volto eu à garantia do professor que se amarrou à uma metáfora marítima, dessas que eram tão caras ao professor e outros seres pretensiosos que gostam de Camões e Pessoa - pois navegar em um mar de respeitabilidade é naufragar a vida. E isso sim [suspiro e pausa dramática] é que é a maior canalhice.

E todos aplaudiram de pé.

0 comentários: