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5 de abril de 2012

Mise en Scène

- dedicado à Natália, sendo somente ela digna de mais esse delírio com título hipster.

Perdido em mim mesmo, ou até afogado, vagava eu sem sentido até me deparar com um filme em mais uma madrugada. Amelie é a obra e essa é minha reação a ela:

Já estava me questionando fazia algum tempo a respeito da forma como organizo a minha vida, afinal, para um neurótico isso é fundamental, repetir ritos e atribuir-lhes significados. É tudo o que resta não podendo ter controle absoluto sobre os resultados. Estou sozinho em casa, pelo menos pela maior parte do tempo e, imperando  a sós no Tédio, meu lar, principalmente a sala, conserva as minhas pegadas frescas. Sei onde se encontra cada objeto, cada desejo, cada vontade. O texto da faculdade que está "por ler" já desde segunda-feira no canto da sala, meu netbook no sofá e o fio da fonte displicentemente cruzando o chão... evidenciando um espaço sem uso ou movimento. Meu cotidiano, se fosse um quadro, seria de natureza morta.

O termo que dá título ao texto de hoje faz referência a disposição dos objetos em cena, seja em teatro ou filme, bem como o dos atores. Sim, tenho essa pretensão (ou neurose) de achar que vivo sob enredo e fotografia como num filme ou, sendo mais abrangente em meu delírio, de ser uma peça de arte. Seguindo a trilha do devaneio e analisando a disposição dos objetos em cada cômodo, vejo alguns que se impõe mais do que outros para o desenvolvimento das cenas. Sou inquieto, mexo minhas pernas como num tique nervoso, mordo meus dedos, ando pelos cômodos e as vezes sou tomado de um desejo louco de sair andando e não parar... nessas horas, mais que uma cena de fuga, também digna, pois fugir e começar tudo de outro modo tem sua poesia (ainda que infantil), sou uma fotografia borrada: não há arte.

Preciso me segurar, arrumar aquilo que me segure no quadro antes que eu me desfaça no ar. Ouvi uma vez, e é aqui que encontrei a inspiração inicial para esse pensamento, que nos filmes antigos os atores, para preencher o tempo nas cenas, fumavam. Tendo o cinema mudo atrás de si, era um paradigma a ser quebrado e um conjunto de possibilidades novas a serem testadas, mas mudar tudo de uma vez deixaria um vazio: aí entrava o cigarro. Isso é particularmente verdadeiro em um filme de Hitchcook chamado Festim Diabólico que se passa praticamente em um único cômodo, não vou entrar em detalhes, mas sendo a carga emocional do filme inteira baseado no diálogo é impressionante o quanto os personagens fumam!

Mas e eu, onde entro nisso?

Ora, não é muito difícil de imaginar: me permiti a licença moral para conservar a paz de espírito e preenchi as cenas de ansiedade com cigarros em algumas madrugadas. Um hábito que havia cortado fazia um tempo, mas não tardou a me revisitar. E fico lá fora a ver a fumaça subir, eu gosto, até mais do que a nicotina (que não vou negar que vicia... e muito!), gosto mesmo da fumaça, vez ou outra me pego sentado no vaso sanitário por cima do tampo a ver a fumaça sair pelo vitrô em contraste com a noite lá fora depois de um banho quente. Nesses momentos, ora num, ora noutro, me sinto inteiro, pensante e agudo: a cena acontece. Mas seria pouco me reduzir a fumaça, sou um pouco mais do que isso.

Tenho as mãos nervosas, o problema está nelas, talvez por isso ocupá-las com cigarro surta algum efeito e a fumaça já tenha criado alguma memória afetiva. Vez ou outra sou tomado de um desejo louco de escrever, mas da forma antiga: caneta e papel. Vejo as palavras se formando no papel, seja lá qual for seu conteúdo, e, novamente, me sinto inteiro... ajuda, é claro, se eu conseguir ler depois sem sentir asco e ocupar novamente minhas mãos em passar o texto a limpo e não em rasgar as folhas do rascunho. Mas não é sempre que surgem ideias, então contento-me em passar a mãos sobre meus cabelos, como se fizesse cachos, ou morder meus dedos, como já disse. E assim também a cena acontece.

Claro que daí tem o filme, o filme que mencionei ao início, pois ele fez com que eu me sentisse eu novamente. Conversava com Natália e ela comentou do filme, me passou músicas da trilha sonora e pareceu transtornada pelo fato de eu nunca ter assistido. Pois bem, estava eu algumas horas a frente desse diálogo bem fundo na minha zona de conforto, fundo demais para ir atrás do filme, seja no mercado alternativo, na locadora aqui perto de casa (que estariam fechados de qualquer forma) ou mesmo fazer um simples download que já seria um excesso para minha vontade... mas, enfim, eu tenho a senha do Netflix do meu primo e decidi fazer uma busca no catálogo totalmente despretensiosa: e não é que tinha Amelie! Euforicamente fui fazer o meu café com leite, coisa que vinha postergando, mesmo com vontade, desde que eu acordei. Então assisti, então fumei um cigarro, então cá estou.

Que filme!

Não vou fazer uma resenha do filme (que vá atrás se não conhece!) mas apenas mencionar uma cena: O rapaz que encanta a protagonista está seguindo pistas deixadas por ela que, tão tímida, o coloca em jogos que evitem o contato imediato. É quase uma dança e o pobre rapaz pisa nos próprios pés, frequentemente se atrapalha com suas deixas: quando tem de atender o telefone público, só o faz porque uma mulher que passa o atende antes é orientada a passar para ele; quando de frente para uma estátua que aponta a próxima pista, fica antes admirando a estátua e o dedo dela apontado sem nem sequer cogitar guiar o olhar para a direção que aponta, só o faz por fim quando um garoto diz a ele que somente um tolo olharia para o dedo de uma estátua e não para o céu que aponta (ok, desculpem-me se as descrições são confusas). 

A verdade é que... identifiquei-me com o rapaz, não que o filme tenha me tocado só por isso, dizer algo assim seria reduzir a imensidão de delicadezas que tem a narrativa ao romance que tem sim grande parte no enredo, mas não é tudo. Pois que também fiquei encarando a estátua (indagando até de que personagem histórico se trataria!) e também nunca me ocorreria atender ao telefone público, mesmo que tocando no exato ponto de encontro com alguma pessoa (algo que me ocorreu logo na primeira vez que Amelie usa essa estratégia para devolver a caixa de brinquedos para o homem nostálgico). Pude sentir a obra de forma total: de dentro, nos sentimentos de uma personagem particular, e de fora, absorvendo a beleza das cenas, o lugar das coisas, das pessoas, dos sentimentos e seu movimento. 

- e aquilo me salvou.

Natália também me dizia, confrontando a minha insólita distimia, que eu precisava achar algo que me instigasse e, sei, é tão óbvio dizer isso, mas é a arte, o que me move é a arte! Seja no meu delírio cotidiano de achar que danço com as palavras noite adentro, de imaginar minha alma como um instrumento de cordas que só é musical quando sob tensão, de sentir minha solidão teatral e cult como personagem em cena ou mesmo quando te escrevo e descrevo de formas tão diversas por não saber exatamente o que em você me provoca e aquilo que me provoca... chegando até a te imaginar de laço azul sendo que nunca usou algo parecido! E esta noite, graças a Amelie, graças a arte, mas principalmente graças a você, estou salvo. 

E nada vai me tirar isso.

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