Música

http://www.blogger.com/add-widget?widget.title=Megadeth Radio&widget.content=%3cscript type%3d%22text%2fjavascript%22 src%3d%22http%3a%2f%2fwidgets.clearspring.com%2fo%2f4adc6e9803694c34%2f4b33ce080a7736c8%2f4adc6e98366e230e%2f41409611%2fwidget.js%22%3e%3c%2fscript%3e

Pages

24 de janeiro de 2013

A Rocha

Era uma vez uma rocha mais antiga do que a vida, fenômeno geológico de tempos idos, não se lembrava (ou não entendia) o porquê e como estava ali... só sabia que estava; só sabia que existia. Não tinha bem ideia do que era, mas sabia o suficiente para compreender-se em uma conformada solidão compartilhada de grandes rochas que tocavam o céu mal tocando a si próprias. Sentia-se solitária o tempo todo, apesar de cercada daqueles que tinha como seus semelhantes. No entanto, a despeito de toda a melancolia que poderia advir de seu isolamento, sentia-se bem em seu posto, tomada de um candor em seu cerne que lhe animava o espírito, sensação esta que só se intensificava com o passar do tempo.

Crepitava, em seu interior, a mesma chama que movia o mundo e que, um dia, fora o próprio mundo, sensação de totalidade e instabilidade que quis dar o nome de amor, por si e por todas as coisas. Sentiu-se deslizar sobre si própria, tremer, entrar em ebulição! Sem perceber, em meio ao êxtase, o perigo de sua condição. Um dia, simplesmente explodiu, lançando-se ao ar, voo curto e queda estrondosa se esfarelando na trajetória, perdendo-se daquilo que considerava parte indissociável de si mesma. Todas as suas certezas, as poucas que pode desenvolver uma observadora dura e aguda em seus questionamentos e investigações, se perderam no caos de sua destruição.

A nostalgia era um bálsamo, mas foi perdendo seus efeitos diante de sua racionalidade. Olhava para trás e não se reconhecia nos destroços - aquilo não sou eu - dizia a si mesma apática. Dentre as partes que se espalharam, e antes foram tudo, percebia-se apenas como um fragmento solto no espaço e isso era tudo, tudo o que se tornara e tudo o que poderia ser. A única coisa que a mantinha acreditando que ela ainda era ela, pulsava em seu interior. Uma lembrança ígnea da explosão das sensações se escondia por trás de sua crosta fria e dura.

A rocha, que já não habitava mais as grandes altitudes, viu se desenvolver em torno de si um mundo de cores desconhecidas e belas. Não sentia a vida pulsar através de si, amava na cautela de dois movimentos distintos: cultivando a fagulha de seu interior que ainda lhe aquecia e cultuando a beleza das paragens que a cercava. Era seguro e bom, exatamente o que precisava. Mais um tempo se passou de muitas estações e paisagens até que o lume de seu núcleo ígneo se apagasse deixando um interior tão duro, frio e áspero quanto a sua crosta. Recuperada do passado, apartada de qualquer candor de suas lembranças, decidiu ser mais ousada. Passou a se entender com aquilo que a rodeava, os observados preencheriam a alma da observadora; agora entendia, seria tão grande quanto aquilo que via. A rocha sabia que não poderia voltar ao topo e olhar tudo de relance, precisava se mover.

Chuva, trovão; tempestade. Revestida de suas vontades, a boa sorte do universo aderiu melhor à rocha determinada. A água caia sem cessar alagando os campos provocando deslizamentos de lama nas encostas impulsionando a pedra para altitudes ainda mais baixas. Os voos nos quais se lançou ao bater em acidentes pela planície seguidos de grandes depressões não foram tão incríveis quanto o dos dias de antes, mas sentia que poderia aproveitar melhor agora devido à sabedoria adquirida. Foi tomar posse de si novamente quase afogada em água salgada: chegara no mar.

Ondas iam e vinham para a sua maravilha, mas ainda assim, uma beleza que se fazia entendida e não sentida. De repente, sua fantástica jornada até ali lhe parecia uma perda contínua de si mesma na soma de fissuras e rachaduras, presenças negativas em seu corpo de crosta dura e impenetrável. A força e a fraqueza, tudo lhe ceifava de ser (inteira), a hora era justa para a melancolia, mas nem por isso se abateu. Quis, antes, mudar a direção de seu olhar, pois, como boa observadora que era, sabia da diferença que faziam o ponto de vista e a perspectiva. O rocha mirou a praia e viu uma concha que em sua essência hermética e segura pareceu-lhe perfeita. Ansiava ver a pérola que escondia, mas lhe apetecia ainda mais ver a determinação daquela pequena concha em guardar seu tesouro, do mundo. E, enquanto devaneava sobre o sentimento de segurança que buscava depois de tanta aventura, viu a concha se abrir sem qualquer cerimônia.

A concha simplesmente se entregou ao desvelo do mar que a levou em um único movimento, ela e sua pérola, nas ondas que batiam suavemente na costa. Talvez nem houvesse pérola, talvez nem houvesse concha (pra que mais haveria?), sem ter a quem se revelar, expor o seu íntimo, mesmo sabendo que poderia nunca mais ser a mesma. E a rocha desatinou pensar, como sempre pensou quando a intensidade da sua existência explodia em questionamentos diversos: amar é complicado e viver então.. nem se fala.

Maresia e cansaço dominavam o corpo rochoso preso entre arbustos e raízes de árvores com uma extremidade na terra e a outra a beijar o mar. As ondas que lhe acariciavam na maré tranquila da lua minguante fizeram o sal de suas lágrimas que inicialmente eram vertidas em uma melancolia tranquila e poética de bossa nova, mas logo, nas luas seguintes, se transformaram em tempestuosos melodramas que a mantiveram completamente inerte; absteve-se de pensar e cogitara inclusive abster-se de existir... embora, por mais ideias que tivesse, nunca soubesse exatamente como.

Um dia acordou para si e percebeu o quanto havia se desgastado, diminuindo em tamanho... para crescer em sentimento. Pela primeira vez, como não há muito tempo, sentia-se tão grande quanto a própria vida, parte da areia da praia e da imensidão do mar pelas intempéries da costa; era mais do que uma rocha, era mais do que si mesma sem se perder de sua identidade, podia ser a praia, um lugar, um momento, um belo pôr-do-sol! Se ainda haviam lágrimas, passaram a ser de felicidade, afinal, havia se entendido com a vida. Bastou-lhe fé (e tempo),  porque, por mais que seja a natureza (o destino, Deus ou qualquer força misteriosa que preferir) a mover montanhas e rochas, foi a fé que moveu o mundo inteiro para dentro de si, foi a fé que a manteve viva nas certeza de haver outras belezas por conhecer, outras sensações por sentir.

Quanto tempo durou nessa felicidade? Eu não sei, mas estaria insultando a nossa viajante ao apostar que permaneceu condicionada a um único estado em contentamento perpétuo. Alguns dizem, erodiu-se completamente pra se espalhar ao sete ventos em busca de outras jornadas, outros ainda insistem que ela permanece na praia, sussurrando aos ouvidos de exploradores, outros observadores como ela, que chegam ao ponto de difícil acesso de seu descanso na costa, revelando-se a todos que a visitam retribuindo o gesto da pequena concha ao mundo inteiro. Fomos feitos para acabar, então façamos valer a pena.

-- // --

PS: Perdão por qualquer equívoco geológico, não procedi com nenhuma pesquisa pra escrever esse texto, mesmo porque... se quisesse algo mais científico, não teria dado pensamentos a uma pedra. Espero que gostem!

1 comentários:

YNK06NYT0 disse...

Gostei do texto, uma reflexão sobre a efemeridade. Colocando a rocha como algo em tese "eterno", mas que a um evento inexplicável ela sai da sua zona de conforto e participa de novas experiências das quais trazem para ela uma nova bagagem e que se fosse realmente eterna, talvez não chegasse as mesmas conclusões, o fato de sermos finitos faz com que cada experiência seja única. Todo sentimento, no final, é único e particular.