Alguém se lembra da última chuva aqui na terra da gároa? Não deve ter sido há tanto tempo, mas a imagem das gotas d'água despencando no meio-fio só vem a tona em memórias forjadas com enquadramento cinematográfico - "deve ter sido assim..."
Lembrar lembrar mesmo eu confesso que não consigo, parece que o ar sempre foi assim, que as pessoas sempre estiveram espirrando pelos cantos, que o céu do entardecer é costumaz degradê em tons de branco, cinza e marrom. É essa a cidade em que eu vivo? Minha percepção de mundo sempre foi assim tão... seca? Tendo a acreditar que sim.
O mundo se altera, mas o nosso ser conserva uma essência que convém chamar de alma. O preço pela existência é a fixidez cobrada pela rotina das sensações. A chuva pode até vir, mas a garganta seca continua, o olhar em preto e branco (e quando muito em sépia) prevalece e o peito se enche de vazio, falta o ar não importa o quão forte eu inspire.
Eu existo, como poucos existo. Não me livro desse lado, o mundo gira e permaneço preso ao chão. Vislumbrei a mudança nesses últimos dias, agreguei valor à rotina, mas as sensações foram as mesmas não importanto o contexto... afinal, sou o mesmo. É muito cedo para qualquer diagnóstico, mas saber que a tristeza permanece foi um golpe duro.
Talvez, como o tempo externo, o meu coração também virou deserto. Há tempos que não experiencio a alegria pela alegria, o descompasso consigo, a descontração... a felicidade! De uma parte minha, a parte que faz falta, eu nem me lembro. Fiz de conta que não existia, afinal seria muito conveniente se tudo o que eu buscasse estivesse dentro de mim.
Parece moral de filme da sessão da tarde... mas quem disse que a vida não pode ser conveniente? É tão absurdo pensar que certas coisas são menos complicadas do que se supõe que seriam? - Sim.
Machuca também a solidão na frase que já virou clichê em crise existencial adolescente - "ninguém me entende!" Às vezes, acho que é até pior, antes eu fosse assim tão complicado, a questão parece estar em que ninguém procura entender. Esse lado que dialoga com o sofrimento não interessa, só me querem sorrindo.
Ser amigo também deveria ser fazer o outro chorar quando este não consegue, a animação prematura através do exaustivo coaching com frases como "está apenas começando" ou "com o tempo passa" só adia o momento sombrio para longe dos olhos do suposto amigo. Toda desilusão merece o seu luto, o que não significa cultuar a angústia, veja bem.
O objetivo da vida ainda é se sentir bem, mas para isso é preciso sentir. Parece óbvio, mas a superficialidade de que são dotadas as perspectivas otimistas de vida ignoram esse fator de forma gritante. Manter o coração dormente pode ser uma angústia muito maior... pode ser, acredito que exista quem se contente com essa situação.
No entanto, e aqui simulo um temperamento adulto que bem verdade não possuo, guardar para si todos esses demônios talvez seja parte da maturidade. A gente então aprenderia a falar só para nos engradecer pela disciplina de nos manter calados. Deve ser isso, só assim para justificar e indiferença para com tudo o que digo e venho dizendo.
Resta escrever, movimentar o silêncio, espaço aonde a polícia fronteiriça não vigia e o que vem de dentro ainda pode sair sem ser rechaçado.
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