E assim me vem essa madrugada ignorante de pensamentos e sensações que não o próprio Tédio e o medo. Estou tão longe de tudo o que quero que até o meu querer se afasta: sou intratável quando me frustro. É um vazio sincero, mas dizer que não sinto nada seria muito pouco, pois gerei ao menos essas palavras.. incompreensíveis, é verdade, mas consigo verbalizar e isso deve significar alguma coisa. Verborragia?
Por que me cansam as ideias quando chego ao final da quarta linha do parágrafo? Que obsessão é essa de limitar o raciocínio? Que gozo é esse pelo controle de algo que já é meu? Realmente não entendo e, no entanto, reproduzo o comportamento incessantemente como um genuíno e exemplar neurótico pra deixar a analista orgulhosa. Será que sou realmente exemplo de alguma coisa? Sou tão comum, tão igual, tão pequeno. Meu sofrimento é vulgar... bem como minha felicidade por ultrapassar a quarta linha do parágrafo e essa sensação de que de repente tudo é possível (quando bem sabemos que não é).
Outras coisas guiam/limitam a minha escrita além de todo o formalismo que me convence momentaneamente de que minha redação é aceitável. Confesso aqui que mesmo os meus sentimentos prestam contas, a alma escritora se tornou absolutamente moral em algum momento, talvez naquele em que eu descubro que existem almas leitoras por aí, e uma forte ideia de certo e errado se impõe sobre mim. Mais que isso: mais fatal (à integridade da obra? à sua paciência?) sem sombra de dúvida é essa vontade insana de querer ter certeza. De repente, maturidade é ter certeza, é não dizer tudo o que penso. E desejo intensamente amadurecer, evoluir, sair dessa. Indignada, ela me questiona: "autenticidade pra que, né?"
Eu guardo retalhos de pensamentos e sentimentos, frases, mágoas e experiências pontuais que se tornam lições de vida e tranco tudo sem reflexão, jogo no coração como em um baú velho. Ao escrever, ao me expor, falar sobre mim mesmo, abro esse baú e lanço um olhar breve sobre as pequenices que guardei: eis minha integridade (ou autenticidade, se preferir). Fragmentos sem valor, envelhecidos, sem nexo... sem mim. Não me lembro da última vez em que escrevi sem esperar um certo resultado, uma certa reação daqueles que me leem e sempre lançando mão de um repertório limitado de ideias. Ainda não cheguei a mentir, mas sinto que estou perto, pois já omito sem pensar, ignoro tudo aquilo que não se conforma na ideia que quero formar da minha identidade, para mim mesmo e para os outros.
A justificativa para a fraude ou, sendo mais brando, a falta de uma maior espontaneidade é o medo de regredir, colocar a mão no fogo por meia dúzia de incertezas e cometer velhos enganos, mesmo tendo certo que a experiência já me transformou, que sou melhor e mais preparado do que era ontem. E aqui o pensamento fica nublado; e aqui o CD chega ao seu final e reina o silêncio - começaram os sentimentos inconfessáveis, a falta que sinto do que veio antes... a falta que me faz tudo o que não foi.
Onde estão os meus cigarros?
Sei lá, não posso disfarçar que trajo essa solidão e tristeza toda com todo o conforto de um pijama velho, sem folga ou aperto; não posso enganá-los com uma falsa austeridade ou humildade quando sinto tanto orgulho e felicidade pelas baixezas do meu espírito doente, de meu coração apaixonado: não é só Tédio e o medo é conveniência. Simulo então um enfrentamento: aquela mesma que me questiona sobre minha autenticidade, me desafia em minha determinação de guardar mágoas (ela sabe quem é), deve achar que sou passivo diante de tudo, mas minha vontade é a de abocanhar a vida, lançar-me sobre ela em um único salto e julgo que, ao menos quando escrevo, consigo fazê-lo por alguns instantes. Sei que essa vontade imensa deve transparecer em meio a toda a tristeza de meu olhar e com ele seguro tudo aquilo que as minhas mãos fraquejam em apertar junto de mim... ainda que o olhar logo se afaste ao perceber o quanto sou insuficiente diante de tudo.
Se for para insistir nesse ideal de maturidade, de lição aprendida para a conclusão do texto e das angústias de mais essa madrugada, teria de confessar o quanto ainda me fio nas paixões, das que me abalaram de verdade sinto que jamais as esquecerei, duram mais do que qualquer mágoa e compõe esse sujeito contraditório que ama o mundo e decide adorá-lo trancado no quarto o espiando através do travesseiro.
Devo me aceitar (ou não) como essa criança crescida que lê Alvaro de Campos e reluta em ler Quintana, como se o primeiro fosse mais sombrio e "válido"... ignorando quando este se funde à Pessoa na ternura das cartas de amor ridículas; ignorando que mal sabe de Quintana ou qualquer outro poeta que não Pessoa ou Borges. E assim, persisto no isolamento, no lado único da história e amo mulheres de verdade, mas não sem abandonar a musa que faço delas, não sem admitir e superar todo o medo que tenho delas.
Mas a vida continua, a inspiração se foi e tudo o que foi dito e sentido parece mentira. Resta-me passar as mãos sobre meus cabelos e cuidar dos pequenos prazeres... como acabar um texto e achar que com isso eu resolvo ou mudo alguma coisa. Que tristeza... que vazio... que raiva! Será mesmo que eu não posso fazer absolutamente nada?!
Onde estão as minhas lágrimas?
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