Foi então que se viu finalmente libertado do flagelo persistente da ignorância lançando-se a luz sobre a treva de seus enganos. O conhecimento, seja adquirido pela experiência ou teoria, sempre liberta, mas antes foi necessário perceber o quanto e por quem esteve preso por todo esse tempo, pois a jaula não se abre para aqueles que nem sequer enxergam as barras. O cativo, aqui entendendo os dois sentidos, tanto o daquele que se enternece e é cativado (seduzido pelo calor da auto-piedade) quanto o do que é constrangido e aprisionado (coagido pelos seus medos), por fim enxergou a luz do dia e viu que mesmo ela não era total: produzia-se por entre uma sombra enxadrezada. Não era livre, nunca foi.
A vida agora se enxergava em quadros lentos de uma câmera/projetor bem antiga que girava seu filme vagarosamente através de uma manivela, era possível ouvir os cliques das engrenagens. Todo o seu viver constituía uma cena repetida ao infinito, de constância e coerência absoluta entre o ponto de partida e chegada, de A a A, sempre seria o mesmo, pois nunca sairia do lugar. Os cliques da câmera o deixaram enjoado e desesperado por saber que uma vida podia se reduzir tanto, por saber que provavelmente não existia fora daquele único take, para sempre espiando o mundo através do travesseiro e de suas conclusões prematuras. Ele não era humano, era muito pouco para sê-lo, ou talvez...
A dor ainda era real! Com toda aquela angústia era difícil negar que existisse qualquer coisa ali, um algo de sinistro, de podre.. de morto, mas algo, sem dúvida. Visões distantes, de um pântano, de ruas desertas; fechava os olhos para andar por caminhos estranhos, tropeços inevitáveis, meias molhadas nas poças de água leitosa que aos poucos lhe envolviam como areia movediça, embranqueciam a vontade, o viço de seu olhar que perdia um pouco do brilho a cada dia: olhos vermelhos que já não enxergavam mais nada além do céu vermelho sem estrelas... era como se se afogasse em si mesmo e não pudesse fazer nada, sempre tornaria ao ponto de partida, às mesmas ambições irrealizáveis, às mesmas frustrações ensaiadas, aos meus sonhos de criança com traumas insondáveis. Por que não pensar em Orwell? Se eu era humano, era o último homem! Ninguém, como eu, tão magro e pálido nesse esforço sem sentindo contra a saúde; ninguém, como eu, assim tão ridículo! Com tantas dores e tanta fome, com desejos enormes alimentados pelo sono.. e pelo desgosto.
Sim, eu! Pois ele sou eu, como não haveria de sê-lo sabendo, eu, tanto?! Nessa altura de meu pesadelo, já estava estirado no chão tentando abrir os olhos, tentando querer abrir os olhos.. parece ser sempre essa a batalha. Chamavam o meu nome e eu via sombras envoltas em fumaça, parecia seguro, parecia...
- Cara, você tá me ouvindo? Você tá bem?
- Tô.
Eu menti.
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