Dedicado a Iara que me pediu um texto... e pode ter me inspirado assim, beeem de leeeve, em algumas passagens (hahah) - espero que goste!
No meio de um estacionamento a céu aberto, duas pessoas discutiam:
- Porra, Renato, fala alguma coisa!
- ...
- Eu não te amo mais, seu filho da puta! - disse ela procurando alguma reação ou ao menos desfazer o sorriso cínico de seu namorado, mesmo achando a mãe dele até que boa pessoa e o amando profundamente.
- Raquel, para de ser louca! - direto e fatal, ninguém chama ela de louca ou sequer insinua contra seu juízo e fica assim de graça.
- Louca?! Deixa de ser frouxo e diz alguma coisa que preste, seu inútil!
Algumas pessoas passam.
Indiferentes.
Silêncio.
- Eu só queria que a gente se acertasse, eu só queria que as coisas fossem como eram antes...
- Não vão ser - novamente agudo e preciso feito flecha, pra machucar, pra arder ele sabia escolher muito bem as palavras... e muito embora seu coração sussurrasse "quem sabe podem até ser melhores daqui pra frente", apenas se calou. Tinha mais efeito assim e ele não queria se enrolar.
- Estragamos tudo, não foi? - ela parecia mais calma, resignada e até fria.
- Não, idiota! Não é isso que estou dizendo, olha... não, esquece - suas palavra vacilavam e também o seu olhar procurando pontos na escuridão da noite para se esconder.
Algumas luzes do estacionamento se apagaram.
Um carro passou na frente deles, faróis apagados, vidro escurecido.
Silêncio.
- Diz logo que não me ama também, a gente nunca ia dar certo... - não conseguia dizer isso sem ressentimento e incerteza, agora era Raquel que se furtava de olhá-lo. Cruzou os braços.
- Pra que isso? - a fuzilou com olhar inquisidor e inquieto.
- Seus amigos... você sabe, nunca ia dar certo - murmurou com um pouco mais de firmeza e voltou a encará-lo. Não dizia para magoar, mas sabia por experiência de seus relacionamentos que era nessa parte mais franca da discussão que as pessoas se magoavam. Doía agora ter de se abrir sem pesar as consequências... mas a mataria se segurar para àquele a quem confiou o mundo tantas vezes.
- Nós precisamos de um tempo, Renato.
- Bobagem! - se segurou para não dizer "loucura".
As aulas do período noturno da faculdade chegavam ao seu término, uma a uma, o estacionamento estava repleto de transeuntes, cheiro de gasolina e álcool de carros preguiçosos acordando de seu repouso. Um minuto ou uma hora, nesse momento mais do que em qualquer outro, o silêncio entre os dois era mortal.
- Olha, quelzinha... - chamá-la pelo apelido era quase um oferta de paz, mas também lançava no ar a suspeita de que viria algo muito grave na sequência - nós precisamos tomar uma decisão!
- O que acha que é tudo isso?! - ela elevou o tom de voz o reduzindo ao longo da frase como se tomasse conta lentamente de que não estavam sozinhos.. de que não estava sozinha.
- Não sei, deixa pra lá;
- Fala!
- Não tem nada pra falar.
- Não precisa ficar na defensiva!
- ...
Sim, silencioso e mortal era uma boa maneira de descrevê-lo. Escolhia as palavras e o silêncio, se protegendo e sabendo agredir, lançando jabs e diretos sem baixar muito a guarda. Silencioso e mortal... como seus gases em situações absolutamente inadequadas.
- Por que está sorrindo? Insistiu tanto que o assunto era sério...
- Nada, só pensei em uma coisa, anjo.
Muito diferente era Raquel que tinha o coração do tamanho do mundo, quase impossível de se manter na defensiva, de guardá-lo em um cofre, sem comprometer seus movimentos. Ele não a merecia.
Não mereceu o beijo que ela lhe deu uns dias depois quando fizeram as pazes
Não mereceu os anos que passaram juntos.
Não mereceu o filho maravilhoso que tiveram!
Mas talvez felicidade não tenha mérito - e nem sorte - só uma coisa que a gente ainda não aprendeu a dar o nome e nem sempre damos valor (que é fundamental). Muitos anos depois, deitado em uma cama enfermo, Renato tentava agarrar no ar essa palavra que escapava, pois já eram poucas as palavras que lhe restavam, e quando lhe faltou o fôlego recorreu àquela que elegeu como companheira e confidente de uma vida que nem sempre foi fácil, mas com certeza foi plena.
- Raquel...por que? - ele juntava fôlego para tentar explicar a pergunta, mas...
- Ora, você não sabe? - ela sabia, sabia mesmo antes dele perguntar.
- Então...
- Eu te amo, precisa de mais do que isso?
- Sim, um monte de coisas, sei lá, é... é loucura!
Silêncio e expectativa. Ela respirou fundo e revirou os olhos - ainda era seu ponto fraco.
- Loucura, com certeza.
- ...
- Mas confiar e mergulhar nesse loucura foi uma das escolhas mais lúcidas da minha vida.
Renato tomou um tempo para assimilar aquelas palavras e sorriu com um pensamento que lhe tomou de assalto e provocou uma onda de bem estar por todo o seu corpo; sorriu ao pensar que aquela mulher passou a vida com ele só pra ter a última palavra e ganhar a discussão.
- Você é louca!
- Loucos nós dois, ainda bem.
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